Coração Comerciante
Meu afeiçoado pai,
Precocemente nascido,
Aprendeste a dançar assim,
Esquivando-se,
E a comer pão,
E a ouvir música,
Ignorando o tempo tomado.
De teu comércio,
Há vista para automóveis
Recém saídos de páginas de revistas
E mulheres e homens batizados,
Para o vaivém central
Das vidas de tua cidade.
Corres os olhos pelas mulheres
E pelas multidões pavimentadas?
Vês os anúncios em carros de som
E pões-te a sonhar?
Vais jogar mais uma cartela,
a ver se ganha o prêmio em dinheiro!
Sempre o prêmio em dinheiro alimentou-te!
Resvalaste rapidamente pelo tempo
Com teu comércio e tua marquise
— ainda que sem o prêmio —
E os cabelos encaneceram
E a voz encaneceu.
Não falamos mais o mesmo dialeto,
Não é, mesmo?
Ocupaste-te com tuas venalidades
E tua alma gastou-se a cada negócio.
Entristeceram o teu coração comerciante?
E no final de um mês,
Há sempre o começo de outro;
E ouves no rádio o ganhador,
De outra cidade, nunca tu,
Escutas tudo de passagem,
E lês notícias nos assuntos de teus clientes.
Mas não compreenderás, meu pai,
O quanto tudo me angustia,
E o teu coração comerciante, pai!
E o meu coração, quanta agonia!