AS TRÊS PARCAS


                    1

          A FOME

Instalada em seu trono de ruínas
faz-nos sentir no sangue
as suas vergastadas.
É um motor a ronronar em seco
com labaredas devorando entranhas.
Milhares de olhos encovados
espelham, em redor,
poços cavados, fundos,
cheios de ânsia incontida
de mastigar a treva.

A Fome marca o ritmo dos desejos:
salivar, engolir todas as raivas,
deixar os ácidos correr, correr
corroendo as vontades
e dissolvendo a vida.

Cada vómito é um músculo ao serviço
dos deuses infernais.
A ira é a alavanca
que move a grande máquina
e empurra o navio nas águas podres
da impotência.

Bocas abertas, crateras
de dentes mais que inúteis,
arrotam a esgoto e a pó.
Pesadelos, percorridos
por gargalhadas de vento,
asfixiam a esperança
na calada da noite.

Escarninha, insensível,
a Fome
implanta sementeiras de revolta.


                    2

         O MEDO

O Medo é assim,
um dragão com ameaças nos olhos,
guarnecendo as esquinas de arrepios.
À noite, todas as noites,
sopra fantasmas nas janelas entreabertas.
O Medo faz derreter a esperança,
decapita os desejos,
espalha autos-de-fé nas consciências.

O Medo é o espião, o guarda-mor, o falso alarme,
o edital telúrico a vibrar no sangue.
O Medo tem grilhetas,
tem alçapões, tem sentinelas,
tem fogos-fátuos a rondar a treva,
tem vampiros, répteis, lobisomens.
O Medo tem legiões de percevejos
a impregnar os sonhos.

Um manto envolve a cidade
como um hálito de gás paralisante.
Ninguém arrisca um dedo a perfurar
o gélido silêncio.
Porém, para os que se levantam e porfiam,
o Medo utiliza o quarto escuro,
as grades, a mordaça, o ferro e o fogo.

O Medo está sempre alerta.
Nunca dorme.


                    3

        A MORTE

A Morte é o único ser omnipresente.
No silêncio das trevas siderais
ou no sossego líquido dos fundos do oceano,
no arfar sufocante de altos cumes
ou no salto sem regresso de cima da ponte,
no abismo inesperado
para lá da esquina de cada rua
ou na alucinação veloz da curva da estrada,
na extremidade pendente duma corda,
no estoiro duma bala,
na ponta aguçada duma navalha
ou no crepitar delirante do fogo,
no coração que desiste de pulsar
ou no sangue derramado pela liberdade,
em toda a parte
dentro do seu olhar é sempre noite.

A vida é um crédito concedido
que a Morte cobra no final do prazo.
Mas a Morte é também o carrasco
dos que teimam, resistem e combatem
semeando luz à beira do caminho.
A Morte monta as suas armadilhas,
lança o golpe certeiro
ou, então, aguarda o esgotar da vida
por falta de esperança.
Determinada e inexorável, tudo apaga
sob a coberta negra do esquecimento.

Só a memória acesa dos homens
pode vencer a Morte.
CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 10/11/2005
Código do texto: T69784