NO DIA QUE TRANCARAM O MAR...
Naquele dia
Ele despertou como sempre
Munido de incontido impulso vital.
O holofote do horizonte lhe borbulhava
cores recém chegadas
que selavam seus olhos para marejar na praia.
E para que olhos
quando os sentidos já sabem os devidos caminhos?
Para quê?
Quando o tato toca e reconhece todas as texturas
registradas?
Quando os perfumes entram pelos poros
e a maciez das águas correm pela artérias que oxigenam vida?
Quando trancaram o mar
Não lhe houve aviso prévio...
E ele só parecia sozinho.
As sereias,
que metodicamente cantavam e encantavam
os rumos fantasiosos dos dias,
Sequer tiveram as despedidas dos amantes
Inebriados das paixões soadas pelas vozes aos relentos...
Os barcos, os de então, de há muito seguiam todos sem cantos
e sem rumos.
Os peixes
Todos assustados com as algemas em escamas
Tocaram as portas calcificadas e
Sussurraram a tragédia às pérolas fechadas em conchas,
Aquelas jóias que nunca enxergam as realidades
das águas represadas.
Todavia, só aos ouvidos mais sensíveis
Conchas aparentemente mudas
Seguiram a ecoar músicas dum mar sempre cantante
Ao seu interior que nunca as silencia.
As algas perderam o chão, aquelas telas de praia
que acolhem os resquícios de verde que fazem arte macia.
Os Corais, agora mimetizados de dor, arrefeceram suas formas, prenderam o fôlego
E aceleraram as bulhas na tentativa de
evitar mais desgaste.
As estrelas -do -mar se desligaram do seu céu de areia
num cáustico chão de vil cenário de plástico trancado .
As baleias-todas- emitiram seus ressentidos jatos de vida.
O dia que trancaram o mar-eu vi!-
se consolidaram todas as algemas invisíveis
que inviabilizam e imobilizam a vida.
Então, nesse dia do impossível
Eu fechei os olhos a destrancar o meu mais amplo sentido.
Caminhei em lembranças...do que fora trancado.
Toquei meus pés na areia
Expandi os pulmões,degustei a atmosfera limpa
E sorvendo paz
Desfrutei da perene poesia que fica
de todas as singulares sensações vividas.
Ali...era o meu mar de volta
fluindo pelas vertentes do tempo.
Me desgarrei das horas
E pela maré trancada, nele mergulhei em onda menina
submergida sem pressa alguma de voltar
-apesar das tantas correntes perigosas-
A encontrar todas as minhas conchinhas roubadas
E enterradas na areia.
Eu as recolhi uma a uma...
No dia que trancaram o mar
Eu também estava ali, éramos um só!
Testemunhas viscerais de nós mesmos
Com firmes pés no chão
Para reabrirmos todos os sonhos
Ondulados em vais -e -vens...
Desovados nas praias pelas marés sem fins.
Foi então...que ambos arrebentamos em vida pelas areias.
Eu,em especial, precisava ter a certeza irrefutável
De que é impossível se trancar qualquer imensidão
de toda força interior.