O ANO DO MEDO
Quanto temor tenho por quem amo...
Já esqueci a razão e sufoquei o propósito
Embora lembre do início
Seja como for a era da incerteza se firmou
Nada mais é “ademais"
Ninguém mais é dono do castelo
E a guilhotina agora age por conta própria
A tábua foi violada e o cemitério lotado
As orações são réplicas repetidas ad infinitum
Meus ânimos foram recônditos enquanto pude deixá-los assim
Mas vieram ventos e demônios...
Aves cinzas que bicaram meu baú de lembranças e propostas
Nesse céu nublado tão terráqueo e horizontal
Aquiesci por dias até outra nevasca seca tocar minha fronte enrugada
Aos céus berrei em silêncio e minha resposta foi estóica...
Em forma, grau e amplitude
Quis meu Criador dar-me tal prova
E minha aceitação é irrestrita ainda
Porém minha humildade não
Chafurdo ainda em dúvida e regurgito blasfêmias
Não possuo o signo da verdade cravado no meu âmago
Minha alma não conhece a fé
Pelos cálculos deveras tácitos me designo
Se há uma certeza sou seu contraponto
Lunático, desvairado, histérico...
Violento em tempos...
Colérico pela imensa aflição dos que navegam um mar turvo
Tal qual a certeza da única incerteza...
Aquela que agora pisca ininterruptamente pra mim
Minha velha companheira de brindes e músicas e sonhos e poemas e lições
A doce e amarga melhor amiga de todas as criaturas
A única onipresença onipotente que conheço e respeito
E que temo hoje mais do que nunca.
Dedicado à todos que, como eu, estão sentindo muito medo pela própria vida e, principalmente, pelas vidas de quem amamos.
E imenso respeito aos que se foram e também aos que os choram.