O ABOMINÁVEL HOMEM DAS NUVENS
Mastigava o meu sol que, recente, já me socava o estômago
Como quem alimentava a algum demônio no ventre eu seguia
de restos em restos tentando sobreviver da bondade inimiga
Quem vive sem quase nada é nada para quem tem quase tudo
Não sabia se ter tudo ou nada tinha cara de mundo ou de alma
Apenas sabia o que me aliviava a fome e a fome de um nome.
Tinha sempre a alma enroscada entre as mãos indefinidas
Ora exaustas de carregar lixo e sopapos das esquinas
Ora livres como asas de um beija-flor juvenil no beijo de amor
Com quanto dinheiro se edifica o Castelo da Felicidade?
Em qual terreno se pode construir a duradoura alegria?
Há em nós algo que não apodreça pela causa do uso?
Eu me usava nessas questões para justificar o meu ser.
Como disse, vivia do lixo. Catava restos para restaurar
Talvez para ajudar a reciclar o planeta cansado de ciclos
Quem sabe amenizar as seculares barbáries ecológicas
Ou, oxalá, ajudar a reduzir o caos inevitável do amanhã
Não. Eu catava lixo para sobreviver mesmo. O resto era resto.
Tinha curso superior e morava na rua. Por sina ou falcatrua?
Por escolha ou devido às faltas de escolha sem explicação?
Apenas queria viver do meu jeito. Ter curso superior não me
deixou superior ao desemprego. Então, pulei ao coração.
[continua]