PALAVRAS

Um dia quis escrever palavras simples

mas esconderam-se de mim, cobardes,

em sombras e recônditos de oportunidade.

Perdi assim o momento devido

e o equilíbrio são das sombras

que se afastariam em preclaridades.

Depois disso

as cores das manhãs desvaneceram-se

num esbatimento estranho à razão

onde prosperaram medos e cuidados.

Os luares perderam a mágica prateada

da beleza traduzida em solilóquios de alma.

Passou o tempo, como sempre passa,

naquele jeito escorrido que o tempo

tem de passar, e as palavras outrora simples

rebuscaram-se em significados,

em subentendidos e outras leituras possíveis.

Deixaram de lado contextos e momentos,

emoções partilhadas com instantes todos eles únicos.

Passei a dizer o que podia, não o que queria,

como se de mim se afastassem de vez

as possibilidades de com elas construir

passo a passo o entendimento necessário.

E nesse processo de tornar-me estranho,

de me afastar das minhas palavras sem querer,

em surpresa me afastei de mim.

E de caminhos que hoje não são mais caminhos.

De instantes que se cumpriram em si mesmos,

e que as palavras, as de hoje,

não saberiam contar da mesma forma.

Agoniado, sobrevivo nesse novo exercício

de quem afanosamente se procura

e inesperadamente encontra outro.

E o faz nas palavras reinventadas,

não naquelas mesmas de sempre

que me contavam o que eu era,

quando me lia com tranquilidade.

E talvez seja esse o drama das palavras,

o de terem uma oportunidade que as muda,

quando nos permitimos perdê-la.

Que nos muda, na forma como depois

nos encontramos na estranheza das

das folhas de papel, soltas e algo estranhas,

em que tropeçamos nos caminhos do acaso.

E depois de perdida a oportunidade

das nossas palavras certas,

depois de ser inevitável o tanto

que se deixou por dizer,

para quê teimar naquilo

que já não sabemos dizer assim?

Que as novas criem novos brilhos,

e que o mundo seja pequeno

para a beleza que trouxerem

as palavras que ainda souber dizer.

copyrightHenriqueMendes2020