Se ninguém me ler
Se ninguém me ler
Virão as primaveras
E invernos apaziguadores
Haverá rios, mares
Mães e poetas
Bebês e domingos
Um emprego para José
Um casamento para João
Uma universidade para Maria
Os meus escritos são inúteis
Não param as pandemias
Não adormecem as crianças
Não suavizam as ditaduras
Não apagam a fome
Uma criança e uma folha
A professora diz que é bonito
Um certo arranjo de palavras
Mas é tudo tão inútil
Se não há Paraíso
Há imaginação
Um sonhado mundo
Porém não anula
O pesadelo acordado
Eu queria que meu texto
Fosse seu cobertor
Sua viagem
Seu dinheiro
Seu amor
Sua noite de paz
A cachoeira que deslumbra
E compensa a caminhada
O sol vencendo
Os gigantes de gelo
Mas eu não atinjo o alvo
E o mundo não cessa
De caminhar para o abismo
Meu texto não tem importância nenhuma
É uma bolha de sabão
Que não resiste à realidade
Não atinge seu coração
Assim desimportante escrevo
Correspondendo-me com finitudes
Esperando que palavras
Formem um cometa
Ligeiro e raro
A ser alimento
Para alguns sempre à margem
Talvez uma noite
Ainda que pequenina
Reúna algumas criaturas
(Ao redor de uma fogueira
Em honra de um deus desconhecido
Inventor de musas)
E me leiam com amor
E assim nasçam estrelas outras
E o mundo seja bonito
Ainda que apenas por um minuto.