SEM TÍTULO 4
O mundo continuaria sem mim.
A vida seguiria rodando.
As pessoas caminhando.
As lojas abrindo.
Doenças infectando a cidade.
Ônibus indo.
Ônibus vindo,
de lugar nenhum para lugar algum.
O mundo continuaria sem mim.
Eu seria uma lembrança na memória de quem me amou.
Me amou? Alguém me amou? Quem?
Não sou demasiadamente lírico.
Sou demasiadamente terra.
O fato: O mundo continuaria sem mim.
O rio atravessando corpos, até romper carne, chegar aos ossos.
O córrego seguiria para lá.
Os homens práticos em suas vidas - práticas -
PRÁTICAS: A VIDA: DOS HOMENS: DO MUNDO: QUE CONTINUARIA SEM SEM
MIM.
A vida sempre a ser esse caminho torto.
O mundo continuando sem mim.
E a existência: uma impossibilidade coletiva, como disse Gaspar Noé.
O mundo continuaria sem mim: e esse nem seria o clímax da existência
Já que eu não faço sentido
para o mundo
... para os afetos...
... as pessoas...
...meus familiares...
O clímax, enquanto o mundo segue girando por aí nas ruas da cidade, sem mim, é justamente
minha não existência
como se eu não tivesse nascido
parido
cuspido
partido
morrido
e o mundo continuando sem mim: antes de haver minha primeira morte, o mundo já era mundo, José.
eu saindo dele é como nesga de mar, afundando-se para o mais profundo, onde nunca se consegue chegar.
Lugar-não. Objeto-não. Instante-não.
Sem mundo, sem tempo, sem espaço.
Agora, no exato momento em que escrevo
morro e
O mundo continua sem mim.
Percebe?