PRESENTE INVERSO

O pai faz versos, filha.

Perdão.

O pai trabalhou de muita coisa,

Pedreiro, marceneiro, pintor,

Só pra trazer seu leite, seu pão.

O chocolate que você gostava.

Às vezes eu comia menos pra sobrar mais pra ti.

Mas no fundo, o pai se alimentava de outra coisa.

O pai gostava mesmo era de construir poemas,

Esculpir frases bonitas, alinha-las numa idéia.

Pintar o mundo com minhas rimas.

Aaaaahh. Disso o pai gostava. E ainda gosta.

O pai faz versos, filha.

Sei que você sempre quis o pai super herói.

Forte. Valente.

Mas eu choro.

Ninguém vê, mas choro.

Enxugo as lágrimas e transformo elas em palavras,

E o papel que chorava em meu lugar.

O pai as vezes vota errado, filha.

Mas meu voto é com a poesia.

Prometi elege-la sempre como prioridade.

O pai não entrou naquela faculdade,

Não ingressou naquela escola ,

Não porque não queria.

Mas não podia. Meu coração se inclinava pra outro lugar.

Para as letras, o papel e a caneta.

Sim, filha. O pai faz versos.

Por isso peço perdão.

Peço perdão porque neguei o luxo que poderia te dar,

Se eu largasse os versos e me dedicasse a outra coisa.

Até fiz outras coisas. E o dinheiro veio.

Mas nada que o pai gostasse.

A vocação do pai é ser pobre.

Mas rico de outra coisa.

Meu tesouro não se deposita em banco,

Mas em alma.

"Oh pai, então seja original".

O pai tentou, filha.

Só que eu sou cópia da cópia de alguém.

Que me copiou pra copiar depois.

Sendo assim eu tenho "voz".

Uma cópia de texto? Quem sabe.

Mas uma única voz. A minha.

Sim, filhinha. O pai faz versos.

Lembra quando o pai lia eles pra você?

Seu sorriso era outro verso.

A janelinha entre seus dentes então...

Eu lia e você sorria,

Não sabia nem porque sorria,

Mas gostava.

Mesmo sem entender.

"Dá um quentinho lá dentro, né pai?"

Você foi crescendo. E aos poucos foi gostando menos.

Porém sempre via o pai ali.

Numa união quase marital,

Com os versos.

Sempre ali. E eles comigo. Nascendo, brotando, jorrando...

As vezes nem o pai entende, filha.

Mas precisa escrever.

Não dava dinheiro.

Não é profissão.

É propósito. Nasci com ele.

E isso não há dinheiro no mundo que compre.

Perdoa se te magoei, filha. Não foi por mal.

Alguma coisa eu engoli e tenho que por pra fora.

Quase todo o santo dia.

Depois que conheci as palavras,

Elas fizeram um formigueiro em mim.

E todo o dia me mordem dizendo:

"Liberdade! Liberdade!"

Se eu não solta-las, morro por dentro.

O pai faz versos.

Desculpa, filha.

Não se chateia com o pai.

Desculpa se sempre falo como se fosse com analogias e comparações... ou usando a frase de um livro.

Desculpa se sempre anoto uma coisa e outra de repente.

O pai não pode perder o momento.

Inspiração é criança que toca a campainha e foge.

É borboleta, é pássaro raro que se não fotografar, perde-se no meio do mato pra nunca mais voltar.

Sim, filha. O pai lê os mesmos livros.

Sei que existem outros.

Mas o pai gosta dos mesmos.

Você cresceu filha.

Ficou bonita, inteligente. Mais do que sua mãe.

Hoje possui o mundo. O universo!

O pai... possui versos.

Sei que você não gosta.

Porém é o que eu tenho.

Ah, filha. Se tu soubesse...

O rio que corre aqui dentro,

Quando cada letra se junta e forma uma palavra...

Se tu soubesse o quanto queima meu coração,

Velho, mas como lenha velha e seca,

Queima que estala!

Esqueça as perdas, os empréstimos que fiz, as noites sem dormir, os calotes que levei, as pessoas que me enganaram, as doenças que tive...

Tudo isso por causa de não abandonar os versos.

O pai está preso, filha.

A poesia não me solta.

Perdoa o pai, filha.

Mas o pai não vai parar de fazer versos.

Ainda que você se chateie,

Fica emburrada,

Ache uma perca de tempo,

Que o pai nunca vai ser famoso,

Saiba que o pai sabe de tudo isso.

Mas o pai te ama.

Por isso fiz esses versos pra você.

Te antecipando um aniversário.

Perdoa o pai, filha.

O pai faz versos.

Ninguém lê os versos do pai. Mas mesmo assim ele faz.

Faz pra ele mesmo.

Ninguém mais.

O pai gosta. A poesia parece gostar também,

Porque todo dia me dá um novo.

É minha cura.

Alguém precisa daquele verso.

O mundo precisa.

Mesmo que ninguém leia.

O mundo precisa dele.

E quando escrevo,

Sinto que meu dever foi cumprido.

Filha, de toda a herança que posso te deixar.

A mais rica,

São meus versos.

Neles contém minha própria vida,

Pedaço por pedaço.

Perdoa, filha. Sei que não gosta mais de versos.

Porém, filha.

Não se esqueça.

De todas as poesias que fiz,

A mais bonita,

A mais trabalhosa,

A que eu mais amei fazer,

E a que mais eu amo ler,

Todos os dias.

É você.

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Interação ao poema A TI OFEREÇO do mestre LOBO DO CERRADO FIDIANS DIOGENES LESSA

https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6902896

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 01/04/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6903546
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