Eu, o vírus, o mundo
As gotas de chuva batem delicadamente contra a telha
Alguns carros passam estranhamente devagar pelo asfalto molhado
É confortável. Estou em casa.
Um domingo eterno vem perpassando
Junto com janelas acesas em prédios distantes
Minha luminária acesa acima de uma folha de papel em branco
Minha vida em branco.
Estou preso em casa
Preso em minha cabeça
Nos prédios distantes
Iluminados, fugindo dessa escuridão, dessa calmaria não costumeira.
Nos desacostumamos a ficar em paz
Sabemos disso
Por isso não mais ficamos
Em paz
E a calmaria, a delicada chuva que traz seu aroma de terra molhada
Nos remete a tristeza
Ao atual problema de estar só
Estando todos só
Nas casas cheias, iluminadas
Vazias e escuras
Aos bares fechados, quase tão iguais antes
Pela diferença das cervejas, agora cheias, somente.
O vírus da realidade se espalha
A ignorância floresce.
Seu belo aroma vem matando como sempre.
Hospitais lotados caem juntamente com a humanidade
Estamos doentes
Somos o próprio vírus
O pó de uma terra que nunca foi nossa
Calamidade universal.
O mundo que construimos é o próprio monstro de nossa infância
E não há como se proteger embaixo das cobertas.
Não há como se proteger.
É um mundo muito difícil de se manter sóbrio.