O ÚLTIMO CÉU DE OUTUBRO

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... quando suas filhas

forem proibidas de falar

e estudar, trabalhar

mais além do que filhos,

de seus amigos e conhecidos

... quando por alguma

“diferença” e “opção de vida”

seu filho ou algum amigo, ou parente

entrar num carro ou camburão

ou [com alguma sorte]: num avião

e te acenar, para nunca mais voltar

... quando, sem mais importar

quem foi o cão que você

comprou pra proteger seu quintal

você continue tremendo de medo

de sair para o quintal

a fim de catar uma flor

de madrugada

... quando você entender

como é: o barulho de um tiro

de uma alvejada, de uma granada

de um último suspiro

... quando o mais próximo

de multidão carnavalesca

forem as marchas e desfiles

e tanques do exército

... quando a morte se tornar

fato corriqueiro, já não mais

noticiado

... quando o sorriso brasileiro

assim como o samba, a bola, a bossa

e o orgulho nacional forem coisas

de um passado distante

... quando as crianças nascerem

e crescerem sem compreender

esse país malandro, feliz e ensolarado,

que você tanto diz e tanto ama

... quando tudo for

um cenário pós-apocalíptico

infeliz e abandonado, e você for

apenas um idoso, ou idosa, ali...

cabisbaixo, sentado esquecendo-se

de tudo, porém se recordando

como se fosse de manhã

... aquelas decisões tomadas

naquela decisiva e fatídica

noite de céu de outubro.