Ferrugem
Sinto o passar dos dias,
Sinto o afogar da rotina,
Sinto a areia na retina,
Mas não vejo o poema no papel...
Vejo a ferrugem da minha vida,
Vejo minha habilidade corroída,
No mar de arquivos deletados,
Mas nada de poema...
Me vejo cada vez mais insensível,
Me ouço cada vez mais sarcástico,
Procurando ao máximo ser prático,
Mas ainda falta o poema...
Deito então no sofá,
Faço do teto meu psicanalista,
Mas na lista de todas as minhas neuroses,
Não consta nenhum poema...
É tanto que até me identifico,
Com aquele poema de Gullar,
Será que a minha vida
Não cabe mais num poema?
Será se a minha agonia,
Não cabe mais num poema?
Será se o meu amor,
Não cabe mais num poema?
Será se os meus medos, meus anseios,
Nenhum deles cabe mais dentro de um poema?
Percebo que agora é mais difícil,
Dizer aquilo que sinto,
Porque já não são mais tempos de mentira,
Onde tudo acaba ao fim do dia
Tudo continua,
Por dia, meses e anos...
Tudo continua,
Por sonhos, desejos e planos...
Se não há nenhum deles,
Não tem jeito,
O poema acaba aqui,
Mesmo sem nunca ter existido...