Telégrafo

Eu queria ser…

Cantor/

Cantava me embalando na rede/

Mas a realidade humilde/

Nunca oportunizava/

Eu queria ser…

Jogador de futebol/

Mas a política da cartolagem e a necessidade que apertava/

Nos aconselhou a desistir/

Minha mãe queria me ver…

Um doutor, mas a miséria, a política desigual, o mercado capital impuseram tantas barreiras/

Que fui parar nas feiras como vendedor de saco/

Ao meio de tanta indiferença/

Religiosidade, paixões, vícios, prazeres e crenças/

Até tentei viver a infância/

Mas, ali, o cotidiano da periferia nos ensina a ser um fora da lei/

Vai da esperança, do aprendizado encucado de nossos pais, da boa índole/

Não nos deixa enveredar pelo crime/

Não nos levar ao vício desse caos/

Ainda bem que a nossa ambição não era cega/

Ainda bem que a violência urbana não era aquela/

Aquela que hoje recruta, quando não mata, fez parceiro/

Conseguimos ser pedreiro/

Vendedor de bugigangas/

Menino romântico entre a imposição e a escolha/

Veio a razão da escola falando mais forte/

Hoje não sou doutor/

Tão pouco senhor/

Mas um trabalhador honesto/

Que sol a sol procura contribuir na construção do sonho de outros/

Que de uma forma ou de outra dependem desse escravo/