Identidade
O buraco de despejo
Da sua alma.
O ouvido obediente
Da sua murmuração.
O ombro encharcado
Do seu choro.
O pote vazio,
Sem sentimentos,
Sem validade,
Que guarda na estante
Seus segredos.
A mão que afaga
Seu cabelo.
A voz de consolo
Da sua angústia.
O alívio do âmago,
O desvio do desespero.
Incólume e imóvel,
As utilidades listadas no rótulo,
Serventia descrita
Nas linhas da bula.
O remédio que sara
Seu coração dolorido.
A sombra que te protege do sol,
O abrigo que te resgata da tempestade.
O casebre vazio,
Sem estrutura
E aos pedaços
Que suporta a ventania
Por você.
O copo d'água na seca.
A luz da sua escuridão.
O ponto de exclamação
Para sua narrativa.
A mão que sustenta
Seus medos.
A voz que espanta os monstros.
O cobertor que te encobre,
Do frio assolado.
A dose de ânimo
Para sua exaustão.
O aconchego para seus tormentos.
Escrava da tua vontade,
Teu desejo e teu querer.
O eu teu, que só é útil em ti.
Minha identidade se faz ao teu lado,
A qualidade é ser o teu necessário.
Usa este recipiente dia após dia
Até cansar, até esquecer,
Até quebrar em milhares de fragmentos.
Sem rosto, porém, vago
Tentando encaixar-me
Ser útil, ser necessária no teu coração.
Embora, acumule poeira e aranhas,
Mesmo que tenha perdido pedaços de mim
Por ai e por tantos lugares que nunca pisei,
Como um brinquedo rasgado e velho,
Ainda sim, usa este recipiente
Fornece um sentido, uma direção,
Empresta-me para teus anseios,
Me faz de curativo para tuas feridas,
De ferramenta para tuas falhas,
De cola para seus pedaços.
Contudo, não se espante
Quando enfim precisar novamente
Do ópio que te sustenta
E este estiver em outros retratos,
Em outras histórias.
Não se assuste
Quando finalmente
Eu me encontrar,
Com a carta de alforria em mãos,
Os pés fugitivos do mundo.
Quando o ar da liberdade atravessar os pulmões
Serei enfim eu, não tua,
O pronome pessoal do caso reto,
A primeira pessoa do singular,
Que singularmente sou eu e só,
Esse amontoado de células,
De quereres e desejos.
Enfim... Eu