ANDARILHO
" Andarilho"
“ Não se apaixone por mim !
De onde vim não tem como voltar.
Na minha bagagem trago, sonhos, noite e luar. De onde vim não existe partida, não existe chegada, não existe caminhos pra caminhar. A lua trago comigo pra te iluminar, a noite pra se apaixonar. E as lembranças... ora, para que as lembranças? Se de onde venho eu não as tenho! Trago um alforje da lembrança vazio, sem prata nem festim.
Por isso, peço.. não se apaixone por mim!
De onde vim, nada se vê, a bruma de forma abrupta meandra o mar; não há brisa, as sôfregas dunas devoram o meu paladar; não há esperança , a terra incinera o meu caminhar. A vida é assim ! Mas não se apaixone por mim !
De onde vim , meu castelo onírico - porto de partida, ponte de chegada- soçobrou. As lágrimas que perpetuaram a cor dos meus olhos secaram-se à penumbra que as cortejou Por isso sempre me pergunto “ Pra onde vou ?”
Trago na boca mil palavras não ditas e na mente mil frases nunca escritas. Mesmo me enfeitiçando com sua fragrância de jasmim.
Eu insisto que não se apaixone por mim !
De onde vim, deixei beijos no vácuo que se fundiram com as gotas da chuva e agora correm num rio qualquer. Minhas palavras, mesmo abstratas, se esvaíram num subterrâneo, e degredado pela boca cerrada não pude mais gritar. Carente de vocábulos, o silêncio é reinante na garganta sedenta de sons, como de água. Mudo, tenho um caminho a trilhar. Inda que silente meu flautim. Eu sussurro..
não se apaixone por mim.
Meus passos têm como sombra o limite da partida. Quanto mais longa a caminhada, mais tempo para sonhar ! De onde vim, a coletânea da minha vida são paginas perdidas , sem grafia, sem tema, arrancadas à fórceps e tal qual fole de uma forja, expira o vento norte apagando a chama da esperança e deixando acesa e ardente o veredito; desertor ! Neste sonhos que se perderam num céu carmim, eu imploro...
não se apaixone por mim !
Devo deixar meu corpo descansar no agora tendo como alento, a sua presença; devo deixar minha alma resfolgar e minha fadiga jazer à seu sorriso. Sossego minha bagagem à teus pés como presente do andarilho que sou e deixo você refletir por si, se me recebe de onde vim, se me acolhe por onde vim, se abriga por parco e diminuto período um futuro equidistante por vir. Dorida constatação, vou logo proferindo se fizeres assim: Não ! Em nenhuma hipótese se apaixone por mim !
No meu embornal trago fatias de poesias embrulhadas em jornal, despi-las agora seria motivo para ficar, e de onde venho o “ ficar” não se conjuga... portanto sou andarilho. De onde vim, você não existe... assim, constristado, resolvi fugir. Já os poemas deixo-te em regalo, pelo minuto frente a ti.
Minha caminhada nunca terá fim, porquanto eu pergunto:
- Porquê se apaixonar por mim ?
( Menotti Orlandi)