E o precipício ali, tão perto à distância de um passo…
Quantas vezes Sírio me chamas, e o precipício ali, tão perto à distância de um passo… e as palavras calam-se, não há amor que nos salve, chove, apenas chove, deixamos de ouvir as vozes do mundo, as vozes que choram, que nos esperam, e caímos no comodismo mundano do dia a dia, desistido de lutar, deixando cair esta armadura pesada que vestimos todas as madrugadas, as palavras escorem rio a baixo, manchadas de sangue da batalha… e o precipício ali, tão perto à distância de um passo…
Não há dias nem noites, palavras amigas, os beijos esquecidos, a paixão que se esvai, o medo que nos abraça, o perigo que nos trespassa, não há versos contidos, apelos, chamamentos, não há poeta, não há marioneta, apenas o corpo inerte de um homem ferido, um escritor mal parido, imaginário e sombrio…
Ali parado diante do passo que tudo silencia… o choro, a dor, a comida no prato, o desespero da palavra não proferida, e o abraço que tudo liberta, tão longe… amor adormecido, salvífico beijo… espera-me, espero-te…
E o sol nasce, a esperança toca-lhe o rosto, a mão estendida, o segredo gravado… esse amor que ninguém entende, trazido do passado… espera-me, espero-te…
Coleccionado o tempo que não têm, longe lado a lado…
E o poeta? Esse que não escreve, esse que não vive, esse que não é, que nunca foi e nunca será, esse que morreu sem ter nascido, esse que do ventre nunca foi parido, esse que nunca lutou, nunca perdeu e nunca ganhou, o poeta, que nunca amou, que nunca se leitou ou levantou… o poeta que foi sonho e nunca sonhou… olhou de frente, despiu o aço luzente, largou a espada, a lança, o lenço, o papiro e a pena, despiu-se do homem, deu um passo e caiu…
Na solidão do orgulho leia-se:
Aqui jaz o sonho de quem nunca foi… mesmo antes de ter sido…
19/01/2020
05:45
In: Nova poesia de um poeta velho