Solidão Aferrada
Ah!
As vastas flores brancas de madiba.
Ensolarado és o céu sobre o campo,
Nas espinhas do cavalo albino autônomo,
A crina ao vento vai se dobrando.
Mais à frente
O horizonte é restringente.
Inda sim, de longe escuta-se os chocalhos;
Das folhas, dos galhos,
Das asas dos pássaros.
- Que tu queres, que tu buscas
Ainda de longe
Distinguem sua roupa retalhada
Que fazes aqui, seu extraviado!
Vagando à beira desta mata ouriçada?
Desculpa intervir na sua caçada;
Me Informe só antes d’eu ir,
Onde dá esta estrada de mata anafada?
- Como saberia eu dizer
Nunca voltou dali uma só praga!
O que entra não retarda
Não retorna nem traz nada.
E que animais que são esses
Que andam aí por estas matas?
- Mas de todos os tipos se encontra!
Desde os mais extintos
Até a própria velha onça.
E o que anda caçando, senhora
Com essa tua lança afiada
Um ouriço, uma anta
Um nada?
- Não me faça mais perguntas, extraviado
Dê o fora destas bandas;
Aqui é vida ousada
Vida ao qual não se planta.
Vida vivida a curto prazo
Prezando por mais esperança.
Traçando os dias com pressa
Com os pés descalços a lama.
É...
Mas voltar daqui agora,
De quê que me adianta;
Lá em casa o que resta,
Nem prato sujo de janta.
O tempo que leva tudo;
Levou meu Velho e a herança,
Meu cachorro avelhentado
E o resto de esperança.
Minha mãe que partira,
Antes mesmo de me trazer,
Sua branda exuberância,
Deixou-me além do passado
Vontades de bela infância.
Vou-me por aqui mesmo,
Por entre essa mata mau-falada.
De nada o pouco me basta;
A perder já tive um dia,
Mas agora
Não tenho nada.
Até o que vejo e que sinto
Não passa de terra molhada,
De pássaros desobrigados
De ventos ao se quebrar nas galhas
Onde está o pranto,
De que a senhora falava?
Apenas o que me perturba,
Em meio a essa valha,
São as vozes distantes,
Disseminadas.
Da minha vizinha finada,
Do vendedor de cocadas,
Muitas vozes retardadas;
Felizes,
Trazidas ao vento de minha morada.
E o que deve haver doutro lado,
Ao traçar por inteiro essa mata
Um paraíso de vida,
Uma cidade bem-aventurada?
Afinal por que não retorna
O que passa aqui nessa balça.
E aquilo ali a frente
Seria mesmo uma casa?
De barro e de palha
De toco serrado e taquaras,
Ou é só alucinação?
Vejo ali uma criança
De longe diferenciada
Brincando de marcar o chão
Sem roupa, sem nada.
Com licença, garoto
Desculpa interromper o teu tempo,
Mas além de você,
Quem mais há ali dentro?
- Por aqui só vive eu e minha pobre coitada
- Saí logo d'perto desse homem,
Criança falha!
Deve de ser outro discípulo do governante,
Esses extravagantes
Nos dá a pobreza, nos tira os condes
Mas aqui não nos cobra nada,
Só a vida que é dada.
Mas, minha senhora,
Não me confunda com essas pragas,
Também retiraram de mim minha casa,
Minha prata, minhas tralhas.
O que restou a fazer,
Foi fugir aqui pra mata
Que como a senhora já disse,
Só cobra vida
Mais nada.
- Mas a mim não engana nada!
Apareces aqui bem vestido,
De roupa bem retalhada,
Me dizendo que procura
Viver a vida ousada?
Lhe dizendo, minha senhora,
Fui expulso de minha casa.
Só me diga antes,
De citar-me outra palavra,
Onde é que dá esse trecho,
Se eu seguir por aqui
Nessa estrada?
- Não se sabe onde é que dá,
Daqui nunca passou nada,
Minha oca é a parada,
O final da caminhada
E se me permite lhe dizer,
Não siga aí por essas matas,
Com essa tua experiência,
Vai cair em armadilha de caça.
Ah, pois eu vou assim mesmo,
Já lhe disse, não tenho nada
Seguindo ou não o caminho,
Daria na mesma estrada.
Mas ainda não entendo,
Essa gente horrorizada;
Que tem demais por aqui;
Além de solidão aferrada?
A noite já se aproxima,
Melhor cerrar a caminhada.
E agora ainda menos
Tenho o que reclamar
Bela vista pras estrelas
Um fajuto som de mar
Ventos que batem nas folhas
Pássaros a cantarolar.
O que passa nessas mentes,
Das gentes que ficam por lá?
Engraçado,
Não sinto fome, nem sede,
Que vida bem abrandada.
De que se morre aqui, então?
A morte é diferenciada?
Se morre vivendo a vida,
Dia pós dia que tarda.
E por aqui vou-me levando
Me aproximando vez mais do nada,
Logo já me perderei,
Em meio essa mata anafada.
Agora entendo aquelas mulheres
O porquê de horrorizadas;
Dias e dias vagando,
E não me levei a nada.
Só anda comigo
Debaixo dessas grandes matas,
As vozes importunadas
Que me citam a vida passada.
Ora, mas bem que dizia a senhora,
Do começo de vossa jornada,
Quem nessas matas adentra
Não retorna,
Nem traz nada.
Os dias que se passaram,
São muito mais do que contei.
Já tentei voltar a trás,
Lá pro campo de madiba,
Onde que naquele dia,
Maior dia que errei.
Já tentei trazer de volta
Fome, sede, alegria
Só para sentir outra vez,
O real sentido da vida.
Fico por aqui mesmo,
Largado nessa gameleira
Na esperança que a velhice
Me leve dessa vaga vida alheia.