Involuntário

às vezes me pergunto intrigado

quem será esse que me olha no espelho

esse estranho, esse outro

cada vez mais acomodado no meu rosto

cada vez mais castanho nos meus olhos

cada vez mais branco nos meus cabelos

esse personagem que se abriga nos meus sonhos.

às vezes não entendo de que forma

fui transformado pelo que vivi;

no meio do turbilhão de instantes

depois de transcorrido tanto tempo

e depois de caminhos tantos...

depois do sol escaldante me abrir em talhos

e da noite escura me arrepiar os ossos

não reconheço o menino nas fotografias.

viajo pelo espaço dos meus versos

e quando leio o que escrevi

me assombro, capturado

como se fosse a primeira vez.

quantos eus atrás?

já então há anos luz

de tudo o que me destruiu

sem que eu sequer percebesse

que apesar dos golpes e das lágrimas

eu ainda estava de pé

e meus músculos me sustentavam

apesar do meu peito, que arfava.

eu, que existo involuntário

e escrevo por impulso

narrando meus acasos

como quem luta pela vida

e é levado por ela.

sem volta, feito água de cachoeira

carregando só umas palavras bambas

um ranger nos dentes, uma gana

uns olhos atentos, uma boca rebelde

e um senso, um faro, um tino

um instinto de sobrevivência

e nos punhos cerrados

minha poesia inútil e sangrenta.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 30/01/2020
Reeditado em 27/01/2021
Código do texto: T6853933
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