A garrafa de café

Foi possível

ver em teus olhos castanhos

os meus olhos castanhos

como reflexo em águas cristalinas

lágrimas de um drama de família

olhei

vi

senti

gritei

ninguém pode ouvir minha voz, tuas mãos em meu pescoço me impediram a salvação...

senti

cada surra

cada queda da escada

toda desculpa suja

de meu sangue

em tuas mãos...

por vezes, a vontade de lhe enfiar uma faca no pescoço

foi maior do que ter um almoço em dia de muita fome...

e que monstro seria eu

se fizesse com um monstro o que ele merece???

vítima ou algoz ??

amor desenhado em agressão

tua ira contra minha vida

não me deixou continuar a respirar

e antes de você me fazer partir,

vi em minha mente minha vida se passar...

hoje, me livrei dos teus maus tratos,

não preciso mais sentir teu cigarro queimar minha pele

nem espero mais por tua entrada pela porta da frente

com sorriso pro mundo e ódio pra gente...

um dia, me prometeu sinceros afetos...

um mês depois, chutou o meu feto...

sangrei

agonizei

sem socorro

e sem paz........

pedi ajuda

fiz denúncias

tomei minhas surras

e recebi uma medida protetiva

um papel que não nos impede de ser mais um índice de feminicídio....

faço parte de todas que não fazem parte das vivas...

que merda de vida que tive...

antes de você, aquela mulher ainda vive....

mas depois de você, nada foi mais assombroso do que aquela garrafa de café que visitou minha face por muitas vezes ...

e nas noites frias, podia escutar as gostas de café quente encostarem o fundo da xícara de porcelana que fazia homenagem ao homem da casa.

queria que as mãos dos agressores despencassem antes de nos matarem.

Na poesia, tudo é possível!

Então, antes que me enfiasse a faca no peito e arremessasse a garrafa em meu rosto com sua outra mão, pude

ver em minha frente

tuas mãos caírem!

PS: diga não à agressão contra mulher, diga não ao feminicídio.