VOZ ESTURRICADA
Como era linda
com seus cabelos farpados, agridoce.
Sua voz esturricada, esbaforida.
Olhos já libertos, já alvejados
pelo suor vadio.
Lembro dela meio cabisbaixa,
amealhando ramalhetes secos,
vindo à mim desconcertada,
um tanto ilhada, um tanto desejada.
Era linda como o cavalgar da vergonha,
como o respingo solene da fé.
Encardida nas emoções,
puída nos trejeitos de falsa virgem.
Mulher composta, rinha de gozos,
me trazia à baila numa vultuosa atração.
Olhava pra ela e me descompunha.
Não conseguia fixar a respiração
e nem, tampouco, o rastro do sangue.
Sangue já desmiolado, destituído,
cansado de tanto apanhar,
de tanto indagar os porquês,
tantos porquês, meu Deus.
Naquela pocilga que se dizia lar
me acolhi foragido de mim mesmo.
Fui à cata de trincheira, de redenção,
de um canto que fosse pra morrer.
Mas morrer era pouco.
Deixava a voz desmaiar,
o torniquete da paixão fluir, fluir, fluir,
até sumir.
Aquela linha prenha me via de soslaio,
me queira incandescente,
indecente, alucinado, repreendido.
Eu a desprezava, com todos guizos
desse caminhar desalinhado.
Ela me trancou entre suas pernas,
enclausurando sonhos desgarrados,
prendendo cada fio de desejo
na masmorra seca do medo, do talvez.
Então aquela linda se dissipou.
Foi embora levando na trouxa minhas almas,
meus folguedos de saci cariado,
meus desdéns de amante esquecido,
esquisito diria.
Foi dez vez sem olhar pra trás,
sem olhar pra mim, sem olhar de mim,
sem olhar pro olhar.
Simplesmente se foi.
Pena dela, pena dos ventos,
pena dessas palavras aflitas
que hoje escorrem dessa talha,
desse teco de vida que me restou,
que me purgou, que me perdoou.