O CRISÂNTEMO
Abri a tela do computador
e a fotografia do aplicativo me tirou do objetivo.
Então,
ela se postou ali, majestade escultural
como se vida ainda tivesse.
A poesia soou prontamente
a fotografar memórias
em antítese de objetivas.
Letras e câmeras fotográficas
a mim parecem falar a mesma língua.
Voltei à imagem do tempo
como quem instantaneamente
o domina com as mãos do coração.
Era verão dum tempo ardente de felicidade,
de bolinhos de chuva no fogão
de perfume no ar
e de maritacas esguelhando a tarde que se ia...
sem nunca se ir.
Algo que acabou indo.
Sépalas semiabertas...desregradas
pendiam viçosas sobre o vaso de cerâmica terracota,
Flor alegre dum branco alvo
como a neve,
de cor fria como a dor doída dum indecifrável tempo
que não volta.
Flor da mão destra anciã
que até há pouco adubava formas
resplandecentes como milagre
brotado da terra.
Eu, vinda dum sol de rachar
dentre o arrulhar das pombas do interior
pássaros urbanizados como despertador,
naquele brilho da atmosfera alva
a interromper sonhos de criança que não cresce nunca,
passei ali pela flor,
-que linda Bá-exclamei
a registrar em fotografia orgânica
um click do desabrochar dum presente.
-essa é da dobrada!
ela me respondeu, douta e orgulhosa do feito.
Hoje,
a destra mão da florista repousa seu cansaço
e seu apego às flores
a já sequer reconhecer o tamanho do jardim de vida
que cresceu sob seu afeto.
E eu,
num simples crisântemo tão inocente
posto ao acaso duma janela de tempo
tão efêmera quanto a flor,
sequer poderia imaginar que
é possível sim
espiar e fotografar a saudade...
E depois resgatar toda poesia de vida
pela tela dum alheio computador.