PENSANDO NA VIDA
Quase sempre a gente para
pra pensar na vida.
No que para
se depara num labirinto
desconfortante de idéias alucinantes.
Pensando...
pensamento da lida,
lépido, conduz-me
a extasiante prado.
Na alcatifa rasante
pousou meu pensamento,
na ervagem pipilou um tiê.
- Por que cantas?
não te condói a desdita de viver?
tua casa é folhagem, teu teto
amplidão à mercê dos percalços
do etéreo espaço.
Que comes? frutas...biltre!
medita meus consangüíneos esquálidos,
vê a desolação da fome,
horror profundo,
a sociedade de consumo
monopolizou o mundo.
Se comes frutas, as balas te caçam,
o laço te prende,
a atiradeira te prostra,
moribundo.
Sou israelita, da tribo de Davi.
És cananeu? és amorreu, já vi.
Não entendes do que digo?
prossigo.
Na alfa histórica do universo
Deus criou um dos teus,
o primeiro.
Cresceram,
planavam descuidados,
negando o perigo.
Depois Adão, Eva.
Multiplicaram-se.
Sugaram o éter,
comprimiram com o êmbolo
progressista o espaço natural.
Foge! oh! alado amigo!
brilhante desponta o vésper.
ganha alturas, gorjeia!...
Garboso na pluma carmesim,
ergue-se o tiê e proclama
num límpido trinar:
- Tua desdita supera a minha.
Moro um mundo verde
que entre sombras vagueia.
Meu teto, um céu azul de querubins.
Destas plagas confisco o alimento.
Minha missão é cantar aos quatro ventos,
nos barracos, choupanas pobres,
nos átrios, palácios de nobres,
evocar o efêmero prazer
de alegrar o firmamento.
- Nunca vistes o chilrear das aves
nos bambuzais, quando Deus
deposita a fúlvida estrela
no sagrado estojo?
- Reparaste o planeta
de cor argêntea
no findar da sua trajetória?
É arrebol, pipilar nos matagais.
- Voa comigo nesta manhã risonha!...
Quase sempre a gente para
prá pensar na vida.
E dorme.
E sonha.
1979