Escuridão
Escuridão
É manhã não amanhece
O sol acordou cinzento
Na alma o gris sonolento
Olhos voltados “pro” chão
Sumiu-se na imensidão
Tudo o que busquei na vida
O mundo nega guarida
A quem perdeu a razão
A razão que não mais tenho
Ficou no fundo do poço
Sendo sequer o esboço
Do que eu era no passado
Carrego um fardo pesado
Num desvairado presente
Que debocha à minha frente
A sentença de um apenado
Mas qual meu crime afinal
Se nunca lesei ninguém
Não surrupiei um vintém
Nessa vivência falida
E mesmo assim a ferida
Sufocante da aflição
Me fisga no coração
Qual dor de uma despedida
O delito que me condena
E permite que isso aconteça
Saiu da minha cabeça
E se chama serotonina
É a chama que ilumina
E enquanto ela não volta
Uma sombra ronda e escolta
A minha “bendita” sina
E quando a alma adoece
O corpo absorve as dores
Pois meus neurotransmissores
Andaram em desarmonia
Escurecendo os dias
Pelas curvas dos caminhos
Onde restavam espinhos
E uma existência vazia
Naveguei por entre as sombras
Sem encontrar claridade
A beira da insanidade
Segue meu fado veleiro
Sobre o mar do destempero
Ao vento do temporal
Buscando o ato fatal
Na cena do desespero
Queria encontrar a paz
Mas me faltava coragem
Pra interromper a viagem
Apagando a fraca chama
Encerrando assim a trama
Da vil novela da vida
Deixar pra trás as feridas
E a dor que me inflama
Mas nem tudo está perdido
É o que a ciência revela
Abrem-se novas cancelas
Para um céu azul anil
Este estado febril
Desse transtorno sotreta
Vai render-se a tarja preta
Da caixa do rivotril
Depois eu sigo minha vida
Enxergando um horizonte
Mas não abuso da fonte
Ao sentir-me tão sereno
Há um hiato pequeno
Nessa xucra simbiose
O que difere é a dose
Para tornar-se veneno
Assim livre das amarras
Que me algemavam à demência
Sigo a luz da existência
Buscando espiritualidade
Encontrarei minhas verdades
Pra isso tem hora certa
Pois a verdade liberta
Por toda a eternidade
Digo isso porque sei
Dos desalentos e dores
De tantos dias sem cores
No vazio onde habitava
Espancado pela clava
Da inconsciência insana
Numa luta desumana
Que a vida me entregava
Nada sei de medicina
Nem dos mistérios da alma
Mas conheço bem o trauma
Que causa a depressão
E te digo de antemão
Esta doença silente
Reprime o ego da gente
E destroça o coração
Sem saber o que passava
Custei pra me livrar dela
Mas abriu-se uma janela
Por onde entrou a luz
E o anjo que me conduz
Ao ver tanto sofrimento
Me trouxe paz e alento
Pra carregar minha cruz
E a cruz se fez mais leve
Onde há vida há esperança
Do temporal a bonança
Virão ciclos merecidos
Se houve tempo perdido
Um novo tempo insiste
Em levar as cinzas do triste
A um jardim mais florido
E vão-se as cinzas ao vento
Que vem soprando a mudança
Levando a destemperança
Aos confins do esquecimento
Brota um lindo sentimento
De ter vencido essa luta
Sem uso da força bruta
Com a luz do discernimento
E por falar nessa luz
Que brilha na medicina
Citalopram quetiapina
Entre outras substâncias
Vão encurtando a distância
Entre a doença e a cura
A lucidez e a loucura
Amenizando inconstâncias
Assim eu fecho a “matraca”
Moderado e com aprumo
Para então seguir meu rumo
Sem medo de olhar pra traz
Entendo que sou capaz
De conduzir minha vida
Com a alma desprovida
De tudo que não me apraz
Elson Lemos
Limiar de Outubro de 2019