Casa vazia
Sempre que deixam a casa vazia e a porta trancada,
dizendo ''volto de madrugada'',
a casa acorda e, de repente, é minha.
e nós, sozinhas,
viramos duas numa só, cimentadas.
Vivas, então, se tornam as cortinas,
pulam pela sala as coisas engavetadas.
Posso sair pelos quartos malvestida,
talvez até pelada.
Não tenho alma penada,
me acho alma caiada.
Meu lugar são as moradias,
mas só as abandonadas.
Por ali me vejo inteiriça,
sem ter de me manter fechada.
De moradores despida,
a casa volta a ser encantada,
ganha um corpo, respira.
Pouco importa se tem louça suja,
privadas entupidas.
Fundamental somos nós duas emendadas,
fazendo do espaço extra uma outra vida.
A casa, finalmente encorpada,
pode ser morta,
nunca demolida.
Tendo alma caiada,
de louças, janelas e portas,
me faço casa: daquelas trancafiadas,
misteriosas, talvez nunca alugadas.
Não importa, mesmo sem família,
serão minhas suas varandas vazias,
e cheias estarão da minha vida.