Amnésia opcional
De repente eu me pergunto,
ou eu me afirmo:
-Eu posso esquecer...
sim, eu posso apagar tudo,
como apagam os poetas,
quando querem trocar a rima;
como trocam as bulas os hipocondríacos,
quando trocam as dores;
alvejar minha mente,
não tirando dela todos os pecados,
pois quero continuar sendo pecador,
mas retirar tudo que mancha meu pudor;
eu quero esquecer tudo...
que não devia ter se estabelecido,
tudo que não deve se aflorar;
fazer da memória primavera onírica,
apenas de amores-perfeitos,
de avencas que vigiam infiéis,
com margaridas, só com bem-me-quer;
posso esquecer os aromas adocicados,
que sugerem saudades patéticas,
os pés-de-nada, que juntam parasitas;
as ervas-daninhas continuarão intocáveis;
quero danar, por vezes, a paz do tédio,
quero daninhas que me mantenham atento,
para não permitir a praga grassar;
quero buscar marfins e presas
não num safári de matar,
quero conviver com a fauna e a flora,
num convívio que me faça esquecer,
de tudo aquilo, que não quero mais me lembrar