A nova Penélope
Esta odisséia, suave menina,
é um pequeno pedaço de tecido
que suas lágimas tecem
e colorem com saudade
a ausência de quem demora voltar.
É uma pequena história da mulher
que sem saber o enredo final
tece com o coração cores azuis
a falta de quem deverá chegar.
Qual é, afinal, o final que
nossa Penélope moderna quer?
Seria, desfiar, sem parar
o tecido roto da saudade?
Ou, quem sabe, construir uma
obra de arte – um batike tinto –
de lágrimas de amor
e de esperança quase desbotada?
A Penélope da nova geração
continua a tecer e a desfiar
desafiando a tradição
quando tece finais felizes
sabendo que
saudade é tinta que adere
no tecido e que contamina
meninas, todas as mulheres,
todas as células de
quem feliz por fora,
por dentro está irremediavelmente
contaminada pela dor azul
da mais profunda nostalgia.
E o futuro, doce menina?
quer desvendar o tempo?
Descolorir os azuis
que faz você sorrir sofrendo?
Enxugar lágrimas que
escorrem e encharcam
seu angustiado coração?
Não!
O que você quer,
no fundo, no fundo
é sentir, profundo,
o gosto voraz de um beijo
sedento de amor,
cheio de desejo.
Um beijo de quem soube
muito bem enfrentar
mares bravios,
homens em desvarios,
tempestades, calmarias,
serpentes, sereias,
uma loba no cio,
um raio, velas rasgadas,
uma bússula sem norte,
uma adaga sem corte,
uma espada sem fio,
nevascas, geleiras,
escuridão no frio,
mares desconhecidos,
dores bem conhecidas,
ausentes afagos,
um lago vazio,
uma nau sem rumo,
e o azedo sumo da falta
que você também fazia.
Ele era aquele
último novelo em
desalinho,
que você, desesperada,
guardava, com enlevo
e se resguardava,
para atar num só nó
- você a ele –
transformando o ato em
obra perfeita e acabada
uma colcha de lembranças
que vai cobrir corpos
cansados de quem
soube esperar o
momento adequado
de chegar na tranqüila praia
onde espumas brancas
resgatam o tempo perdido
em apenas um
milionésio de segundo.
Este ensandecido encontro
de perturbadas paixões,
nem nos próximos milênios
nenhum dos dois poderá
esquecer.
Você, Penélope,
a heroína sofrida,
no novo milênio
seu nome será ternura tecida
em novos desafios.
Seus tecidos em fios dourados
que não desfiam,
urdirão uma colcha formosa.
É ela que permite
ao velho argonauta
em deleite,
transformar fúria
em espuma e escorrer
entre suas claras
e ardentes enseadas.
Nenhuma outra sereia
- com seu canto que extasia –
vai impedir chegas colossais
marcadas por trovões, raios, corisco,
do galeão experimentado
que baterá em seu porto e penetrará
suas águas com a âncora livre
das incrustações do tempo e abandono
revigorando-se nas
águas revoltas de sua imensa
mas agora extinta e
azul saudade.