UMA OUTRA INFÂNCIA

Existe uma infância que nos persegue.

ela não é um tempo,

uma idade do corpo.

Mas um lugar abstrato

onde acumulamos modos de sentir,

sensibilidades outras

que nos deslocam do presente,

que nos conduzem ao sem tempo,

a irrazoabilidade de um devaneio intenso.

Trata-se de uma infância carente de linguagem.

Nela domina a imagem e o afeto

na ambivalência do riso e do choro,

na instabilidade do ter e do perder.

Ela não pode ser educada,

domesticada ou superada.

Pois demarca um espaço de consciência

através do qual tudo escapa.

Esta infância é a inocência suprema

onde nada se sabe,

nada é dizível.

Nela se esconde

o radicalmente outro

de nós mesmos,

além do saber,

além do poder,

do cognoscível,

do agir e do ser.