O pão sagrado
Uma réstia de sangue humano
sobre o pão sagrado
E triste me vejo - eu mesmo!
no assento aqui ao lado
Qual um narciso manco
que reflete ensimesmado
Comendo, em vão, a hóstia
com o mundo impregnado
Meus olhos queimariam
ou seria o sol mesmo?
Seriam as lembranças
que me vêm, assim, a esmo?
Seria um pranto humano
que se prende a um abismo?
Ou, penso, são os santos
derramando um óleo bento?
Mas sinto o meu peso
precificado no mercado
Minha pele pendurada
junto ao santo imaculado
E penso ser a morte
o excremento despejado
Um poço pleno em vida
que ora resta esvaziado
E penso nos meus medos
que, em pé, me observam
As caras de carrancas
que divertem e me enlevam
Um sopro de névoa branca
e meus olhos logo cegam
Seguindo a negra noite,
onde os seios como secam
Pois me sinto profano joio
maculando sacro trigo
Uma alma silente e vã,
tendo a vida como abrigo
Querendo comer do pão,
mas me sentindo um inimigo
Um ogro a fugir da graça
e, mesmo assim, sendo um perigo
Banido do mundo físico
qual uma alma, transparente
Passando entre a gente
que caminha sempre à frente
Meus cíclicos devaneios
como causam uma torrente,
Que parte soprando versos,
pelos cantos, tristemente
Essa chuva que arde em mim!
E que me toca ardentemente!
Que me rasga a veste, assim,
despudoradamente.
Oh Deus, se existes, rogo
tira logo esta corrente!
Que o mundo insere em mim
e fere impiedosamente
Quisera a eternidade
fosse puro pensamento
E o labor pensante
completasse os vãos do tempo
Qual fez o casto homem
que legou o pão e o vinho
E, então, os versos fossem
o mais puro alimento
D.S.