ANFITRIÃO
sempre convido o mar
para uma visitinha lá em casa
e ele, delicado, solene, vem
pede licença, espreguiça no quintal
e beija meus pés
todo dia planto árvores no cérebro
semeio, rego, adubo, irrigo
chamo pássaros
para pousar aqui, piar sobre a cabeça
para que se aninhem nos cabelos
e no pouso seguro, façam sons
façam cores, façam festa
a brisa nem precisa de convite
para dar umas voltas aqui
adolescente afoita que é
entra sem bater na porta
levanta a cortina, vaza pelos fundos
não sem antes distribuir carícias
dar beijos, sair
e voltar a qualquer hora
e o sol então? outro que nem convido
ele vem sem solenidades
quase todo dia, festivo, sorridente
e se encontra a porta fechada
entra por baixo, pela fechadura
abraça a parede toda,
faz afago com os braços pesados
sem cerimônias
a lua é outra presença constante
apesar da timidez, quase toda noite
aparece pro café, vinho ou jantar.
com os insistentes convites
para entrar em casa
só atravessa porta e janela entreabertas
e, tímida, não passa pelas cortinas
mas me traz mel e leite
faz afago e cafuné
dia desses fiz um caminho inverso
convidei a lâmpada lá de casa
para ir comigo a uma festa
e ela, "desculpe, seu escobar, mas não vou,
prefiro ficar aqui no meu canto"
depois, com polidez, pediu que eu levasse
a filha pela cidade
nesse passeio noturno
peguei a lanterna pela mão, saímos e
- surpresa! ciúme! -
a esguia vagalume - quem diria? -
chamaria a atenção onde circulou
despertava desejos dos faróis de todo lugar
e nos néons suspensos dentro da noite
desde então, intrigado e comovido
com a beleza desses olhares flamejantes
fico aqui pensando no que vou dizer
para minha comadre
que confiou-me sua herdeira
que esgotou a bateria
antes de chegar a manhã
na cidade da noite sem fim