CORPO PRESENTE

apartei-me quando percebi que falavam do morto

à essas alturas já não me interessavam suas qualidades

tampouco saber disso ou daquilo que tivesse feito

defendendo o legítimo direito de errar

e todos falavam a mesma língua reticente

talvez temendo ser traídos pelos próprios verbos

palavras perdidas entre coroas e interjeições

que vez ou outra escapavam entre os lábios enlutados

não havia quem tecesse loas ou algum desafeto

de peito aberto pronto para desfiar seu discurso amargo

apenas aquele arrulho de pombos dissimulados

levando um cravo no bico enquanto evacuavam

quase que evaporei no meu canto

querendo naquela hora ser uma espada-de-são-jorge

insignificante, presa a um vaso trincado onde batem cigarros

a ter que testemunhar tamanha nudez quando se está morto