Viuvez II

Quando você partiu,

cismei de cuidar das plantas,

das flores.

No começo fui bem,

era uma forma de me iludir.

Quando regava o jardim na varanda

tinha, por um instante, a impressão

de que estivesse na cozinha, na sala

e que me chamaria a qualquer momento

para tomar café com você.

As plantas não vingaram, nem as flores.

Elas eram suas e, diferente de mim,

não se enganam e não sabem mentir.

Então doei suas coisas.

Sabia que não voltaria para buscá-las.

Guardei suas fotografias,

seus cremes e perfumes perderam o aroma.

Na dureza do passar dos dias, meses e anos

parecia que tudo se acertava.

Outras pessoas, outras carícias,

outros sorrisos.

Mas aí chega do nada aquele vento de saudade

e me derruba.

E tenho uma vontade doida de falar de você,

de contar histórias sobre nós.

Mas pareceria descabido que eu,

tão resolvido e tão sereno,

tão dono de mim e tão seguro

de repente revelasse que a ferida ainda dói

tanto tempo depois,

que não preciso dos frascos para sentir seu cheiro,

da fotografia para lembrar seu sorriso

e nem de suas coisas para sentir sua presença.

Apago, então, as luzes da casa

e fecho a porta de um dos quartos de mim.

Aquele onde coloquei uma imagem sua que inventei

para não ficar sozinho novamente.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 23/10/2019
Reeditado em 07/05/2021
Código do texto: T6777350
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