Viuvez II
Quando você partiu,
cismei de cuidar das plantas,
das flores.
No começo fui bem,
era uma forma de me iludir.
Quando regava o jardim na varanda
tinha, por um instante, a impressão
de que estivesse na cozinha, na sala
e que me chamaria a qualquer momento
para tomar café com você.
As plantas não vingaram, nem as flores.
Elas eram suas e, diferente de mim,
não se enganam e não sabem mentir.
Então doei suas coisas.
Sabia que não voltaria para buscá-las.
Guardei suas fotografias,
seus cremes e perfumes perderam o aroma.
Na dureza do passar dos dias, meses e anos
parecia que tudo se acertava.
Outras pessoas, outras carícias,
outros sorrisos.
Mas aí chega do nada aquele vento de saudade
e me derruba.
E tenho uma vontade doida de falar de você,
de contar histórias sobre nós.
Mas pareceria descabido que eu,
tão resolvido e tão sereno,
tão dono de mim e tão seguro
de repente revelasse que a ferida ainda dói
tanto tempo depois,
que não preciso dos frascos para sentir seu cheiro,
da fotografia para lembrar seu sorriso
e nem de suas coisas para sentir sua presença.
Apago, então, as luzes da casa
e fecho a porta de um dos quartos de mim.
Aquele onde coloquei uma imagem sua que inventei
para não ficar sozinho novamente.