Fuga na noite
Logo ao entardecer/
O negro como você se prepara/
Termina o serviço e vai pra senzala/
Assentado no chão/
Compenetrado, olha seus irmãos/
Alguns ainda sangrando devendo obediência ao chicote/
Outros pensando na persuasão da morte como argumento da liberdade/
Entregues ao desespero, vê mulheres/
A pensar no amanhã ter seu corpo violentado/
Comedidos no sofrimento/
Das correntes que unem as mãos/
Ele alimenta a esperança de sair daquela alcova de agonia/
De repente, ele se depara com as mães aconchegando os seus filhos ao colo cativo/
Enquanto dão de mamar/
Recostam a cabeça nas paredes da choça de palha/
Para embarcar num coro de pranto/
E doar a suas crias a herança da dor e o anel dessa escravidão/
Que parece nunca merecer perdão/
A miséria local já consome a solidão da alma/
Mas ele no lusco-fusco dos momentos espera a noite se definir/
Pra na escuridão/
Entre os bosques calados/
Seguir acobertando a sua fuga/
Uma vez no cerrado/
Sob o sigilo da mata/
Negro a correr se embrenha/
Segue fazendo estrada sem medo da morte/
Vê a lua companheira/
Segui-lo pelos rios e lagos/
Passando pela via das palmeiras/
E tantas outras aldeias/
Entre um pé outro/
A fome, o cansaço e o desespero não o abate/
Dar força pra ir mais além/
Lembrar os maus tratos/
Mas, entre uma curva ou outra, ouve-se longe/
Alaridos e luzes/
Que logo sussurram ao coração, o medo/
Mas ele segue até não aguentar e sofrer revés/
Com o beijo fatal da arma de fogo/