MANAUS – 350 ANOS

PARTE I – A BARRA, FILHA DA FÉ E DA ESPADA

O nascimento vermelho

Numa terra semeada com sangue,

germinaram as primícias de um povo,

Uma civilização na mata nasceria;

De brancos e índios escravos - um renovo

Por lá, chegaram a morte e a ambição

e, da selva, a nativa paz foi destruída.

Em troca de matança, lucro e riquezas,

foi a beleza da vida esquecida.

Sem compaixão tomaram posse

da razão de seu afeto e existência,

por seu querido lar chorou o nativo

e suas lagrimas tão-só pediam clemência.

Presa, a liberdade gentílica morria

nas cordas do branco sanguinário;

qual fera indomável o índio era levado

até o seu destino mortalmente arbitrário.

Seres da floresta tristes cantos entoavam,

- Lamenta a natureza pelo sangue a jorrar -

Tentavam acalentar os gritos do gentio

que, em notas dissonantes, ecoavam do lugar.

São brados da invadida inocência,

um estranho trouxe medo e terror

e ainda escravizou o senhor da terra,

na guerra, massacrado, pelo explorador.

Sorria a realeza ao saber de sua barbárie,

sorria o triste egoísmo da civilização,

sem consolação, sofria o selvagem,

à margem do rio negro, sofria uma nação!

Como se destinados a um fim desumano,

como se fossem filhos da destruição,

o algoz rompeu os laços da civilidade,

e, ao silvícola, acolheu com a sombria adoção.

Levar a esperança do céu era a missão

pela sábia liturgia de um amor real?

os ritos e a reza, porém, paz não traziam

ao índio prisioneiro do ódio infernal.

Em nome da vida ofereçam a morte,

guerreiros missionários apregoaram a paz?

Em nome do rei lutaram guerras justas,

em nome de Cristo lhes pregaram Satanás?

A força invasora e as brandas palavras,

à caça do selvagem o tentavam dominar;

Enriquecer o reino tornava sem valor

o sangue catequizado na espada a gotejar.

As lutas gentílicas travadas sempre foram

batalhas vividas pela sobrevivência;

à terra indígena, o branco trouxe a guerra

e perverteu os embates da íncola inocência.

Testemunhava a selva o raiar de um povoado,

sob a proteção da reza e do canhão,

filhas da Casa Forte e da singela ermida,

a espada e a fé deram à luz uma nação.

PARTE II

MANAUS- A CIDADE DO REVERSO

O tesouro descoberto

A natureza generosa depositou na mata,

uma fonte copiosa de um tesouro escondido

que, em lágrimas contidas dava ao índio escolhido,

o que mais daria em prantos a uma ambição ingrata.

O explorador sagaz em irrupção alienígena,

no seio da hevea, descobriu o que queria

e, sem perder tempo, o oceano cruzaria

para anunciar o que achou na lida indígena.

Na prisão foliácea de verdes muralhas

o caboclo e o forasteiro uniam-se na luta

para produzir uma irreal riqueza bruta,

pois sobreviveriam sendo escravos de migalhas

Na selva, exilado, o tapiri era sua cela,

aos heróis da borracha não havia proteção;

servos do lavor ingrato e da exploração

enriqueciam a elite de seguras casas belas.

Mantinha a escuridão o sol ainda prisioneiro

quando o seringueiro despertava do sono;

seu lampião alumiava o fantasma do abandono

ao mostrar o caminho de um fausto traiçoeiro.

Do seringal ao branco industrializado,

a borracha amazônica realizava o sonho;

enfim, a Barra, o retrato medonho,

apagaria de seu nascimento desprezado

A revolução e o progresso à selva hostil,

a rica fonte branca e idolatrada traria;

e a mãe do deuses, tragicamente, pagaria

o preço que lhe compraria um status mercantil.

As consequências do progresso

Irrompe a romaria na Paris das Selvas

e, na vida nativa, a civilização

banir a pobreza do cenário era preciso,

ainda que o pobre fosse nosso irmão.

Jazia à sombra da Paris dos Trópicos,

uma cidade infeliz e de desgraçados,

invisíveis, condenados epidêmicos,

em subúrbios, banidos e humilhados.

Pra longe miseráveis

Pra longe do progresso

Não é essa a imagem

da cidade do reverso

Agonizavam indigentes em belos jardins

cujas lindas flores não mais encantavam,

Apenas o odor do sofrimento era sentido,

E o frescor da vida não mais exalavam.

Nos arrabaldes, asilos e cortiços

a riqueza humana era avaliada;

do caboclo valoroso, o desprezo foi destino

e a esperança de viver do peregrino, usurpada.

Pra longe miseráveis

Pra longe do progresso

Não é essa a imagem

da cidade do reverso

Desembarcado, na cidade da borracha,

o progresso idolatrado, voraz e opulento

alcançando o pobre, abandonou-o deplorável;

e ao clã abastado a fome alheia era alimento

PARTE III

MANAUS, UM PRESENTE

Filha da natureza

Teu leito é a natureza,

rica, bela e admirável

e tu fruis dessa proeza

num descanso formidável.

Tuas fontes cheias de vida

são veios de esperança

és doce mãe favorecida

com o verde da bonança.

Teus marcos eternizados,

num cenário de sonhos ,

aos meus olhos encantados

revelam ser o teu ser risonho.

Tuas riquezas naturais

enobrecem a paisagem

Teus mistérios sem iguais

refletem uma miragem?

Como um pássaro ferido

em sua selva tão amada,

tuas vozes são o bramido

de uma terra dizimada?

Ao contemplá-la entendi

a essência da maravilha

que a Providência deu a ti,

ao fazer dela tua filha

A mãe sobrevivente

As doces águas negras

te abraçam, te beijam e te alimentam

Repousas majestosa, exaltada

no regaço de uma natureza singular

Sob um céu eternamente azul,

como um espetáculo,

te apresentas ao mundo

como a menina dos olhos

de sua gente

Não menos apreciada,

não menos abençoada,

não menos capacitada.

À natureza, não podes ser ingrata

És a coroa mui amada, admirada

ignota, desprezada

Entre o rio e o horizonte

tua imagem desafia.

Na selva brotaram

belas árvores concretadas, iluminadas

rios asfálticos, igarapés de terra

cujas luzes, à noite,

ocultam-te o verde

no brilho de metrópole

inocente e arteira.

De braços abertos

aguardas o progresso,

levado pelas correntezas,

naufragando a esperança

colidida nas muralhas invisíveis

de um egoísmo nefasto,

permanente

És a mãe nascida na selva,

imponente e robusta,

teus traços traduzem

a força guerreira

dos tempos antigos.

Para ti nada falta,

em ti tudo existe

Próspera, aguarda a sabedoria

E ainda cresces,

desordenadamente.

A todos recebe, mas te ocupam

violentamente.

E, em ti, sofre a vida natural,

agoniza, poluída.

Uma pureza florestal,

de teu seio,

outrora revigorante

hoje, maculada,

a cidade obscura revela,

lentamente moribunda,

invisível a olhos apressados,

a interesses ingratos;

mas ainda existem fontes

cristalinas a fluir

lutando pela vida

nutrem teu interior

lembram o passado,

provocam o presente

e preservar o que resta

é garantir-nos o futuro,

e é uma forma de dizer-te:

muito obrigado!

Érison Martins
Enviado por Érison Martins em 20/10/2019
Reeditado em 20/10/2019
Código do texto: T6774448
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