SEMANINHAS

fogão de quatro bocas,

três copos de cristal cica

escorrendo na pia;

um pano de prato de terça-feira

(hoje é sábado)

uma panela cheia e outra vazia.

lâmpada de sessenta velas,

bananas maduras demais

para o consumo;

trilha de formigas do açucareiro

a perder-se de vista e

limões amarelos, sem sumo.

piso de caquinho vermelho,

folhinha de supermercado

com paisagens do japão;

talheres avulsos cujos cabos

não ornam uns com os outros,

imã de geladeira de nossa senhora da conceição.

um bico de pão mofado,

um dedo de margarina no pote enorme

com migalhas e um risco de café;

a gaveta capenga cheia de contas antigas,

receitas de bolo e bulas de remédio

e outro santo, de gesso, sem os pés.

cheiro de água parada,

cheiro de bombril enferrujado

desfazendo-se sob a barra de sabão rosado;

cheiro de gás também.

a panela de pressão cheia d´água

para descolar o feijão queimado.

violetas melancólicas

banham-se no filete de sol que desfia-se

em feixes coloridos através da cortina de plástico;

a poeira que paira visível na mesma luz.

a música que chega amputada da casa ao lado;

um molho de chaves presas com elástico.

todas as cadeiras muito juntas da mesa

como se ninguém sentasse nelas desde

a década de sessenta;

a mesma toalhinha de crochê engomada.

a lata de lixo sem tampa

e o filtro de barro para água tratada.

quem esteve aqui e não disse?

bebeu na xícara, limpou-se na beira da toalha

e não sei por qual porta saiu

e se não saiu onde na casa estaria?

não sei se deixo pra lá

ou sigo o rastro de bolachas maria.

tudo numa ordem tão triste

como quem se rejubila por colecionar tragédias

e exibe cabeças como troféus;

a luz difusa e opaca talvez meticulosamente calculada

para acolher uma aparição mariana

que apaziguasse uma alma atribulada.

botões e moedas num vidro de palmito

decorado com flores de massinha e fita de cetim

sabem quem os botou ali.

me vem à mente um nome que de todo não se forma,

omitindo vogais como se fosse polonês,

me esmagando como um javali.