BRACTEA E ESPADICE
vejo que não tens regado teu anturio
pela ferrugem cancerosa que o consome
a terra pouca e magra que parece desaparecer como por encanto
mata tua erva de fome
onde estavas quando choveu e, ausente, privaste teu anturio do refresco do temporal?
de certo caminhavas na contramão, preocupado com o estado de um enfermo que não era teu
de certo procuravas em outros bolsos as chaves de uma outra vida que já desapareceu
é assim quando engodados pelo que julgamos precioso não distinguimos o pernicioso do vital
vejo que não tens notado o que se passa com teu anturio pois há muito não te vejo, nem de noite nem de dia
muitos sóis e muitas luas que não penetram na espessa laje que separa teu anturio da eucaristia
onde estavas quando bem podias estar presente na agonia para assistires ao teu amigo?
de certo bebias e comias fiado crente de que desfrutavas de prestígio e não da caridade
de certo amavas amar e não ser correspondido senão já não habitarias nos limites da cidade
é assim quando se entrega uma única pepita em troca de todo ouro vaidoso que te chega ao umbigo
vejo que passaste a renegar teu anturio por toda a verdade dilacerante que este te lança na cara
guardas bem a rosa mentirosa que ganhaste no circo e que consideras valiosa e rara
onde estás agora que teu anturio agoniza e de ti já não precisa para tombar?
de certo procuras outra rosa como aquela, sedutora, olorosa, bem pintada
de carmim iscariotes
de certo já encontraste outra rosa como aquela, viçosa, viperina, cujos espinhos cravam-se como presas de coiote
é assim quando, de tão seduzido pelo brilho infinito daquilo que corrompe o coração, o espírito já não reconhece seu lugar