De sentidos enevoados e silêncios arrastados, tenho testemunhado o longo fôlego das horas.

E é sem fôlego algum que passo os olhos pelo velho pandeiro, pelas cordas do violão, [ deslizo os dedos no corpo ],
visito as teclas do piano com a mesma transparência dissonante,
e é como se nem de longe nos conhecêssemos.
Nenhuma nota.
Bemol nenhum ultrapassa a morte quando à espinha dorsal do espírito.

 
 
Em dias que os espelhos não refletem a profundidade,
ando subterrânea, fugidia, [ nômade dos próprios pensamentos ],
alma cansada de não nascer.

Quando o corpo não ensaia carregar a cegueira e o peso das penumbras, eu
 nunca sei de pronto,
se é um processo de decomposição ou de metamorfose.

 
 
Tardo. Ouso não sonhar. Ouço a mesma música, infinitas vezes,
com o mesmo sangue de ontém,
com a mesma saudade de ontém,
com a mesma morte de ontém.


E mesmo não querendo pensar em nada, me pego pensando
nas grandes pontes imersas em cascalhos e juncos,
onde os casais rasgam as solidões

e incendeiam a casa do tempo, só por pirraça ;
Penso nos muros, nos bancos, nos becos, onde as coxas violam a quietude 
e a prata cheia inunda dos quadris à boca do coração.


E sinto que algum lugar inacessível dentro de mim [ alucina ],
coroado de uma voz que insiste em dizer - Não solta a minha mão .


 






DENISE MATOS
Enviado por DENISE MATOS em 10/10/2019
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