O SANTO GRAAL
hoje, por volta das onze e vinte,
senti tua falta.
aliás, senti falta de quando lias comendo,
e deixavas na página tua digital gordurosa.
senti falta de tudo o que falávamos
do santo sudário, do santo graal,
de carros americanos, de baal,
da vida dura de quem vivia em tegucigalpa.
a cadeira que,perigosamente, pendias para trás,
o copo d´água gelada tomado num gole só
depois do desjejum e a trilha de migalhas
que formavas na toalha não sei com qual intenção.
até bem depois do meio-dia
ainda persistia aquele desejo de revê-lo;
talvez ainda houvesse assuntos pendentes,
dúvidas não tiradas e respostas não dadas.
tudo e tanto que me tiraram o apetite.
a brancura do prato me fez lembrar
do dia em que partiste pois era manhã
e o dia ainda se entrelaçava com a neblina.
tudo e tanto que não pude comer
o mesmo que apreciavas sendo que,
agora ausente, me restava apenas
mastigar em silêncio e isto não me parecia bom.
e à mesa, que não é o centro da casa
mas o centro de todos que nela habitam,
me vejo refletido no aço da faca e não me reconheço,
hoje estou como estavas naquele tempo.
quiçá tivera eu envelhecido tanto em menos de cinco anos
que da tua velhice para minha velhice um braço apenas.
herdei tuas rugas nos cantos dos olhos,
a esquerda de quem sorria e a direita de quem chorava sozinho.
lavei a louça intacta para me assegurar de que a água,
girando, levaria tudo para uma outra dimensão onde
águas passadas adormeciam represadas até que
numa manhã qualquer, o dique rompesse.