O MURO

o que tenho eu a ver com esse muro?

eu o observo enquanto se decompõe expondo ferros,

cedendo pouco a pouco ao peso do tempo e à trepidação da via,

como se fosse o homem outrora ereto acometido pela peste.

o que tenho eu a ver com esse muro?

tanto o observo e jamais obtive um sussurro sequer.

talvez fale comigo através do musgo e da samambaia ordinária,

que brota de suas chagas de concreto abertas.

o que tenho eu a ver com esse muro?

de um lado o veio natimorto carregado de miasmas,

do outro, a calçada intransponível que engole jornadas,

tudo debaixo do sol de aço que desinfeta mas também mata.

o que tenho eu a ver com esse muro?

talvez tenhamos em comum a mesma porcentagem de indiferença na composição.