PASSA TEMPO

PASSA TEMPO

meu corpo de carne

foi abusado

num passado

ele

o outro corpo

escrevia com seus dedos mínimos

um poema

absurdamente vadio

histericamente orgástico

palavra por palavra

elas eram interrompidas

de gritos loucos

de sentimentos poucos

de fala nenhuma

e as estrofes eram

pausadas de paralelos olhares

difusos olhares

distantes olhares

meu corpo de osso

educado demais

no ranger das articulações

elegante demais

nas ínfimas expressões

ficava

rigidamente engaiolado

prisioneiro simpático e exclusivo

ausente de qualquer recusa

em rejeitar restos

entrincheirado

apegava-se ao pequeno fio da dúvida

habito esse corpo

ou esse corpo me habita?

tem um gemido fino pairando no ar

Mírian Cerqueira Leite

Mileite
Enviado por Mileite em 19/09/2019
Código do texto: T6748485
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