PASSA TEMPO
PASSA TEMPO
meu corpo de carne
foi abusado
num passado
ele
o outro corpo
escrevia com seus dedos mínimos
um poema
absurdamente vadio
histericamente orgástico
palavra por palavra
elas eram interrompidas
de gritos loucos
de sentimentos poucos
de fala nenhuma
e as estrofes eram
pausadas de paralelos olhares
difusos olhares
distantes olhares
meu corpo de osso
educado demais
no ranger das articulações
elegante demais
nas ínfimas expressões
ficava
rigidamente engaiolado
prisioneiro simpático e exclusivo
ausente de qualquer recusa
em rejeitar restos
entrincheirado
apegava-se ao pequeno fio da dúvida
habito esse corpo
ou esse corpo me habita?
tem um gemido fino pairando no ar
Mírian Cerqueira Leite