Espelhos
distraidamente, detenho-me
à frente de um largo espelho.
me encaro mudo, tateio
examino-me como um a forasteiro.
não consigo apreender meu corpo inteiro
em uma única vista; é preciso escolher
o que intento (ou aguento) ver
e ir, aos poucos, navegando.
na expressão dos olhos demoro-me, surpreso:
o momento do encontro consigo mesmo.
entre lembranças e marcas,
os olhos não envelhecem: vão acalmando.
no fundo das órbitas, algo muda
sem, contudo, desvanecer.
é a vida toda, que passa
deixando ruídos e cores inevitáveis.
os olhos brilhantes da infância,
de tudo espantosamente novo e grande,
vão dando lugar a um mundo inteiro
de prazeres e horrores lancinantes.
é possível traduzir um olhar?
sem palavras e sem códigos,
a mirada entre dois estrangeiros
pode expressar desejos certeiros.
mas a sós com meu duplo
não sei bem o que dizer:
me pego acanhado no meu íntimo –
sou por demais cúmplice do que vi.
como a força só se mostra na fraqueza
e a coragem só floresce no medo
também encarar o espelho exige bravura.
o espelho não é um reflexo objetivo,
o espelho não é um objeto pronto.
o espelho são olhos do lado de dentro.