Partida

Impede-me de decisão o relutante pensar de que não pude formular um digno adeus. Um dia a mais o qual não me vale nada a promessa deste fim. Diferente de razões, faltam-me forças que não sou capaz de extrair de meras lágrimas enxugadas e feridas que se negam à cicatrizar. Eleva gradualmente o pesar dos segredos, desaparecem os rastros que me levariam às certezas que confirmam a autenticidade desta inevitável partida.

Entre cartas amassadas, mensagens reescritas e em seguida apagadas, versos que nunca serão lidos por ninguém além de seu criador, últimas demonstrações de que fora um amor muito grande para o tão pouco que era capaz de abrigar o coração. Livro de mim as palavras de minha despedida, liberto-me das páginas queimadas que um dia carregaram traço por traço de meu reflexo em seus parágrafos. Aviso-lhe que hoje a minha imagem é constante, abdicada sua função de ser apenas um disfarce de perfeição que fere o presente com belas mentiras do passado.

Devolva-me o Sol, não será esta a tarde a qual pela última vez serei banhado por sua disposição escarlate. Dê-me um lápis e uma folha de caderno, não será esta a última prosa a qual concederei liberdade aos sentimentos condenados à repressão. Observe-me como mesmo assim não me encontrei diante toda a confusão. Ainda perdido, ainda à deriva. Traga-me a presença de minha família, avise aos meus amigos que ficarei por aqui por mais um pouco de tempo, presenteie-os com o alívio de minha definitiva estadia, diga-os que aprendi enfim a ser verdadeiro em meus próprios termos.

Pois desvanece o perigo de minha consideração, mas não há garantia de que fora esta a última vez. Reencontro-me com as cores do mundo, vejo-me pertencer em encaixada sintonia de como os segundos que varrem o que não desejo que ganhe seu espaço entre as lembranças. A calmaria que vem antes da tempestade contagia os impulsos vitoriosos, mas alertam-se e preparam-se para o pior por vir. A escolha foi feita e encerrada em mais um ciclo de dualidades. Eu escolhi viver.