DDD
dia bom
de quando eu criança
toda riqueza que havia
passear no parque da água branca
a porta sem tranca
a tarde sem fim
a vida que se deixava levar
nas asas de borboletas amarelas
onde mais
onde e quando
haveria de encontrar coisas tão belas
em porões secretos
e quintais abertos
em barracões fechados com taramelas
tudo dependia de nada além do sol
e da chuva que legava a alegria da lama
como se lama e êxtase sinônimos fossem
naquele tempo de quando eu criança
sorvia o dia febril e me revirava na cama
o sangue ainda quente das solitárias estripulias
das quais já não sei mais o nome
dia bom
de quando eu criança
para quem toda cara sorria
e não conhecia o lado de dentro da pele
aquele que sem tinta se escreve
e mesmo com lixa não se apaga
a vida que de súbito cresceu
sem deixar pegadas para o futuro
caso esse decidisse voltar para buscar algo
ou rabiscar no muro
a fórmula de tudo
a receita do júbilo
dia bom
de quando eu criança
ainda não tinha a soma da conta
nem sabia qual era a moeda corrente na china
preocupado apenas em dobrar a esquina
e desaparecer na poeira dos pés dos outros meninos
atrás de uma pedra ou um ovo de lagartixa
pepitas sagradas para quem nada tinha senão
um coração, duas pernas e um telefone à ficha.