Um dançarino domina com graça
Um dançarino domina com graça
o sentimento e a força que passa:
se sobe ao palco faz dele o seu mundo,
comanda o tempo agarrando o segundo.
Se está no mundo faz dele seu palco;
desfaz o pobre, o combate e o fidalgo.
Se ele é pobre, constrói fidalguia;
Se ele é rico, ali tem modestia.
Mostra o que sente e só sente o que mostra,
e ele só sofre da dor uma amostra.
O dançarino é um deus de si próprio
que vence a fé e derrota o opróbrio.
Não tem vergonha nem dela tem falta,
faz-se de bêbado e está sempre sóbrio,
quem sente inveja diz que ele é peralta.
Já a mim me grita um mistério assombroso
quero ocultar-me, mas choro penoso.
A covardice define meu jeito,
falta calor verdadeiro no peito.
Um dançarino me olha de cima
falta-me ar, seu olhar me vitima,
quero correr! Mas me agarra por trás:
— Não sentes pena de ti, vil rapaz?
— O que procuras? A mim por que vens?
— Não venho atrás de nenhum dos teus bens.
Venho plantar-te a semente da fome
para que nunca (e afirmo-o em meu nome)
tu te contentes em ser a toupeira
que, por temores, o verme e o pó come.
Padece, covarde, a dor verdadeira!
05/09/2019
------------
Edição de 27/12/2019
*"que, por temores, só verme e pó come" torna-se "*que, por temores, o verme e o pó come."