Em um movimento

Tudo se deu durante um concerto;
as poltronas do coro eram estreitas.
Todos os assentos tomados
estava num aperto.

À minha direita, uma senhora,
à minha esquerda, um jovem senhor elegante.
Soam os acordes brutos de Petrouchka;
o êxtase vem sem demora.

O transe da dança,
o martellato de Stravinsky.
A respiração ofegante,
o pulso interno que não cansa.

Cabeças se movem em stacatto,
o ritmo acelera e prende.
Os corações pulsam ofegantes,
alguns sapatos acompanham o marcatto.

O frenesi em espiral ascendente,
o jovem busca no que se segurar.
Petrouchka entra em seu ventre
e o faz rodopiar.

Os glissandos em fortíssimo,
os acordes cheios, estrepitosos.
A pianista extrai volume
ele sussurra “bravíssimo”.

E num impulso a nuca se desprende
e o jovem sobre mim se atira.
Cai em diagonal sobre minhas coxas,
os sons, nada suspende.

Qual vulcão, expele uma golfada.
Sangue e vômito escorrem por minhas pernas.
Coloco minhas mãos sobre suas costas,
sua breve vida já fora ceifada.