despertar

Repouso neste banco

Rubro, negro, macio e frio. Colossal matéria de pano e aço e petróleo e braços

Meu peito impávido, destemido

Abre-se como nunca ao mundo que não vê

mas sente

Caminha imóvel e impassível, de passos largos e

basculantes mãos e ombros e

olhos curtos

Olhos amplos e largos,

astutos aos lados infinitos

Ternos ao horizonte a dois ou mil palmos de mim

(E o que sou? que não retalhos orgânicos que os passos cosem e consomem e recriam e perpetuam a espécie

num ad infinitum balanço de canoa dentro daquilo que não sou, e me descubro ser

ser também nos cantos onde o cone de luz e tempo do lampião não chega

e expando, sem ser, a terra sem istmos, sem penínsulas, sem baías, sem forma que não as aspirações marginais da água)

Meu peito ausente

E na ausência, mais que nunca, e sempre, presente: estado

Perpétuo no éter

Tímido, suave e medroso. Amarelo peito

Se cobre de mil teias de seda azul

Fecha-se como nunca ao mundo que não sente

mas vê

Pela fresta que restou nua, e que assiste ao som do vento, ao som dos cometas e do gozo intransponível

do lábio rubro sedento e exímio e incauto, inaudito, ofegante e

sem pulso

Meus calcanhares fatigados de suster o Atlas e acetinar (com a retidão impossível, calculista, plumbea, daquilo que é sempre, sem ser ou mesmo sendo) a trilha sob o mundo

Contemplam tudo o que está acima, abaixo e em cada aresta sem tempo, no jardim sem flores de Kairós

E preserva o silêncio sem máculas, resignação inquestionável das marés

Sorri como quem degustou o firmamento e compreendeu tudo, e se esqueceu

e fleumático cochilou nas águas mansas que cintilam um prateado luminoso e ignorante

Acendo um cigarro de tabaco adoçado com mel e com o fim de toda a metafísica

Encho os pulmões de antraceno e o minúsculo espaço do espírito de um empirismo profano, prosaico, sumo êxtase da matéria retilínea

Desmancho o peito lúcido

Envolvo-o na dissolução de todas e todas as ideias e na consumação primordial (decesso, advento da causa), preludiosa

do homem

e levanto

Nicolle Ramponi
Enviado por Nicolle Ramponi em 23/08/2019
Código do texto: T6727119
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