O dia que veste negro

A morte é um trem onde pego carona

A febre amarela que sobra da chama

A face no espelho que nos envergonha

O alívio no peito da dor mais medonha

É o bonde insone que não estaciona

A morte é o sentido que nos direciona

É a fúria mais calma e a glória infinda

A morte é a porta que mostra a saída

A morte é um medo no caos dissoluto

O inverno gelado no vento que abraça

A tina, onde funde-se o ser na lembrança

Na noite que o traga num breu absoluto

A morte é a vaga que se ergue das águas

Quebrando na praia e tragando a gente

É a língua sangrenta que nos lava as mágoas

Levando seu sal à ferida aparente

O amigo que parte cortando lá fundo

Naquele que resta na vida sofrendo

Olhando nos olhos da morte inquirindo

O porquê do sorriso no rosto horrendo

Quem fica se parte cortando o umbigo

Num parto nefando que brota pra dentro

Na dor lacerante de um certo momento

Da vida que parte buscando outro abrigo

Não é ela o pranto do corpo que parte

É a parte tirada daquele que fica

A dor e a saudade são os braços da morte

Que nos abraçando, enfim, se multiplica

D.S.