Hamlet em Sonetos

*INTRODUÇÃO*

*HAMLET:*

Boa noite!

A todos me apresento

como Hamlet, o príncipe famoso!

Minha história de drama criminoso

sobre homens, Dinamarca e sangramento

contarei a quem 'steja no momento

disposto a dar ouvido atencioso;

mas alerto que o caso é melindroso

e merecia mais do vosso tempo.

Se hoje estou sob a terra tão amarga

tendo a contar um vil, cruento enleio

a plateia incansável, culta e larga

é porque foi enorme o meu anseio

naquela destruída Dinamarca,

e hoje sofro, enlouqueço, espinoteio.

*ATO I:*

*SONETO I: HAMLET:*

Quando meu pai morreu pelo veneno,

diziam, duma cobra, e vi a rainha,

antes fiel mulher; gentil mãe minha;

casar-se com meu tio (rei Cláudio, o obsceno),

o luto me tomou. Porém, sereno,

tal tio mandou: "Deixai a alma sozinha",

disse que de esquecer meu pai eu tinha;

senti que não devia, era um rei pleno.

Nem minha mãe fingia mais o luto,

'inda que no velório ela carpisse

pensando em um privar-se resoluto.

Um festival de horrores a quem visse:

convivas que vieram, num minuto,

passaram do lamento à sabujice!

*SONETO II: HAMLET:*

Eu me lembro de quando Horácio, amigo

que tenho por gentil, veio dizendo:

"Vi teu pai um fantasma parecendo,

sim! visita-nos ele, falecido!"

Havia na esplanada acontecido,

armado, de elmo aberto, era um portento

carregando seu passo grave e lento

como por honra própria revivido.

Chamaram-me, que, à noite, junto deles,

para ver se a figura ressurgia,

eu fosse, e assim eu fui, pois cria neles.

E na hora alta da noite que dormia

o ser apareceu! Tremeram eles,

mas eu não: a meu pai logo eu seguia.

*SONETO III: HAMLET:*

Segui, segui meu pai pela floresta,

nas mais profundas dúvidas da mente,

pronto à morte se a morte visse à frente.

Então falou aquela alma funesta:

"Vingança, filho meu, vingança ingesta

"ao homem que hoje goza da coroa!

"Vingança é o que procuro! Essa pessoa

"matou teu pai, o rei, e está em festa."

Meu tio, de fato, à hora festejava

orgias de gastança costumeiras.

A cada instante, mais eu me enojava.

Haveria, dos reis, duas caveiras,

prometi, dois irmãos! ó grande raiva.

Correu-me o sentimento em minhas veias.

*SONETO IV: HAMLET:*

Eu, decididamente, o mataria.

Cláudio, que tanto mal fez em segredo,

a que ambos os meus pais trouxe o degredo,

não valia sequer o que comia.

Sem respeitar a morte que varria

seu irmão! Sem sinal algum de medo,

julgando amor e vida seu brinquedo,

tomou-lhe uma viúva que plangia.

Mas minha mãe também, que raiva tive

quando a vi rebaixar-se a qualquer pária;

jamais maior rancor em mim mantive.

Nem sequer à dolência funerária

tive o comum direito do homem livre;

o insano fez, da coisa, literária!

*SONETO V: HAMLET*

Enfim.

Logo uns amigos me encontraram

perguntando o que havia acontecido,

o porquê de meu rosto empalecido,

do fantasma também me perguntaram.

Pedi que me jurassem, e juraram,

que jamais contariam do ocorrido;

não queria escutar sequer ruído

a respeito de eventos se passaram.

A vingança que a Cláudio arquitetava,

não podia que alguém a descobrisse.

O sangue em minhas veias fervilhava.

Era hora de pôr fim à canalhice

daquele que em esbanjo mergulhava

tornando-me a existência uma sandice.

*SONETO VI: OFÉLIA*

Boa noite!

A todos me apresento

como Ofélia, a garota desta peça.

Os pais querem dos filhos a promessa.

Mas à minha, não raiva, era lamento.

Meu Hamlet mataria um rei cruento,

já Polônio, papai, mandava-me esta:

matar uma paixão novel e honesta

que nutria por ele com contento.

O príncipe dizia que me amava,

era uma graça, um mel, felicidade,

mas papai era assim que me alertava:

"Um príncipe, apesar da pouca idade,

jamais desposaria quem amava,

mas sim a quem o reino procurasse."

*ATO II*

*SONETO I: OFÉLIA*

É claro, obedeci a meu pai e deixei

de responder ao príncipe amoroso,

mas ai! Enlouquecê-lo? Tenebroso!

Num homem deprimido o transformei?

Que fosse minha culpa, sim, pensei!

Ignorava o fantasma rancoroso...

Contei ao dono da ordem ardiloso,

meu pai Polônio foi contar ao rei

Hamlet ia perdendo a sanidade

após morrer seu pai e me perder.

(Perder-me! Se eu sofria de saudade!)

A mim foi um enorme desprazer,

mas quem diria se essa era a verdade?

Estava o injustiçado a ensandecer?

*SONETO II: HAMLET*

Se estava! Sem família, sem amor,

sem um conforto mísero sequer,

ter no lugar de mãe vulgar mulher,

carregar a missão de um vingador!

E agora, preso em meio a esse terror,

tinha voz uma dúvida qualquer:

"E se, afinal, mentira nisso houver;

"for aquele fantasma um impostor?"

Tive a ideia: bolar um teatro ao rei,

um drama que tratasse de igual caso:

"Assim é a decisão do que farei:

"Se no rei perceber olhar mudado,

"sabe-lo-ei culpado, e o matarei."

Que esta promessa fosse, ó pai, um fato!

*ATO III*

*SONETO I: POLÔNIO*

Boa noite!

A todos me apresento

como Polônio, o pai de Ofélia, a dama!

Hamlet, com de maluco a nós a fama,

queria minha filha — não invento!

Já louco como estava, num intento

de fazer-se de sábio, a ele a chama;

diz, como se jogado, a sós, à lama,

que o melhor para Ofélia era o convento!

Ali já estava morto, poetizado,

enquanto minha filha lamentava

com saudade do amigo apaixonado.

A peça em pouco tempo começava.

Os dois, ali, sentados lado a lado,

ela ainda a minha ordem respeitava!

*SONETO II: POLÔNIO*

Dois atores faziam rei e rainha,

abraçavam-se cheios de ternura.

Rainha sai, seu rei grande amor jura

e adormece, feliz, alma sozinha.

Um homem, irmão do rei, vem, se avizinha

do sonolento; o rosto, uma feiura.

Um líquido no ouvido seu derruba...

O rei morre! Esse irmão busca a rainha.

Que ultrage, enfim julguei, vulgar roteiro!

Insinuam que o rei é um regicida!

Interrompam o teatro! Desrespeito!

Hamlet estava louco, eu já sabia!

Não pode da coroa ser herdeiro!

Naquela hora, notei que ele sorria.

*SONETO III: REI CLÁUDIO*

Boa noite!

A todos me apresento

como Cláudio, o monarca criminoso.

Matei o meu irmão, rei talentoso,

para quê? Para unir-me a ele, ao vento.

Já vivo chorava arrependimento,

temendo um Deus traído e furioso,

vivia, no poder, a fama e o gozo

enquanto meu irmão no esquecimento.

Hamlet, inteligente, estava claro,

planejava algo contra mim; vingança.

Era rancor no teatro interpretado.

Porém, se me pesou a desconfiança,

e também o pesar do realizado,

pior era eu feliz. Ser rei e gastança!...

*SONETO IV: POLÔNIO*

Após aquele insulto do sobrinho,

a rainha o chamou, quis conversar.

Ao rei Cláudio eu teria de contar

o que se falariam, mãe e filho.

Expliquei à rainha que escondido

por trás de uma cortina eu ia estar.

"Sê firme" — sugeri — "ele vai chegar,

"a senhora o trará de volta ao trilho."

Depois me coloquei sob a mortalha,

onde estaria a salvo de ser visto

e fiquei aguardando a represália.

Com olhar de quem sabe correr risco,

o triste caminhou adentro a sala.

O resultado, sabem? Bem, foi isto.

*SONETO V: POLÔNIO*

Sem vergonha, ou sequer qualquer bom senso

começou a atacar a honra materna.

Sôfrega, fraquejou-lhe tanto a perna

que cada vogal era um golpe denso.

Pobre rainha, príncipe pretenso!

Do nada ficou doido e quis baderna

por coração doído e ida paterna.

Mas dentre tanta ofensa, o insulto imenso:

Sacou do cinto a lâmina afiada

que fez a mãe gritar pedindo ajuda,

"Socorro! Aqui serei assassinada!"

Movi-me para entrar naquela luta,

"Um rato!", ele gritou; com sua espada

atacou-me à cortina, agora rubra.

*ATO IV*

*SONETO I: REI CLÁUDIO*

Minha esposa, a rainha, em desespero

se aproxima — "O que foi, minha querida?!"

Foi Hamlet! Acabou com uma vida!

O corpo ele escondia, carniceiro...

Era o fim. Meu sobrinho justiceiro

matara o fiel Polônio na cortina

e viria atacar-me, a chance tida,

a menos que eu fizesse algo primeiro.

"Homens! Tragam-me Hamlet sem demora,

com ele viajarão para a Inglaterra!

De minha Dinamarca quero-o fora!"

Desejava mandá-lo para a terra,

aonde, com Polônio, fosse embora,

mas matá-lo seria ao povo guerra.

*SONETO II: HAMLET*

Dois homens me chamaram, mas que pena,

pensavam que lhes dava algum respeito.

Um servo mais fiel do que direito

é bicho que outro bicho mau ordena.

"Sois esponjas" — lancei. — "Vida pequena

"que procura o que dão, sem sangue ao peito.

"Mas eu, pobres pebleus, eu sou o eleito,

"filho de um grande rei, dono de estrela."

Tamanha raiva a mente fervilhava

que, obedecendo ao monstro, o monstro eu fui;

há sangue em minhas mãos, há voz de faca.

Rei Cláudio me chamava, o rei que rui

a cada vez que Deus lhe ouve a palavra.

A vida tal somente o Diabo anui.

*SONETO III: HAMLET*

Chegando:

"Claudicante rei ilegítimo

"quer saber onde o corpo está jogado?

"Num banquete onde é carne, devorado

"por vermes a que devo um panegírico.

"Polônio está, talvez, num céu onírico

"mas, se não, sei meu tio poderá achá-lo.

"Que jaz na galeria agora é o fato;

"peguem-no antes que eu fique mais satírico."

O rei quase morria tanta a fúria,

quando ele me ordenou partir dali.

Porém, dele, é elogio toda injúria.

Mandou-me para a Europa, obedeci.

Voltaria, não tinha de lamúria

desperdiçar na frente dele, ali.

*SONETO IV: HAMLET*

No início o desejo era viril,

proteger a memória de meu pai.

Mas agora, viventes, a notai,

essa sede infeliz me consumiu.

Por sonhos de justiça fui tão vil

a ponto de matar Polônio, ai.

Mas Cláudio foi pior... sim? Concordai!

Estava a cada noite mais doentio.

Jurei não adiar mais a vingança,

do mar retornaria a minha casa,

meu pai de me esperar sei já se cansa.

Meu tio, sua vontade era tão rasa

minha alma não sabia de esperança

e matar me tomava, feito brasa.

*SONETO V: OFÉLIA*

Meu pai! Meu pai Polônio! Como é graça

te encontrar aqui e tê-lo mais comigo!

Pois quando te perdi, ao peito partido

foi seu golpe final, pura desgraça.

Foi toda ensandecida minha raça

delicada de dama do escolhido,

meu amado matou meu pai querido;

a vida mais violenta do que caça!

A viver, que razão existiria

se já não possuía quem me olhasse,

se era o fim dos motivos de alegria?

Hamlet! Antes sonhava que me amasse.

Agora, que era o fim de minha vida,

sonhei que a meu pai não assassinasse!

*SONETO VI: LAERTES*

Boa noite!

A todos me apresento

como Laertes, doido irmão de Ofélia.

Residia na França, terra séria,

quando soube do fato tão cruento.

Minha irmã co'a cabeça para o vento,

meu pai largado à terra vulgar, fétida,

Dinamarca! Onde está toda tua ética?!

Eu tinha de matar o autor do evento.

O rei me revelou sobre o florete

e sobre o homem que o tinha manejado

com o senso de quem usa um joguete.

"Príncipe!", prometi, "será apagado!

Teu sangue banhará todo o colete

que estiveres vestindo quando achado!"

*SONETO VII: LAERTES*

"Eu, Hamlet, a vós torno!", li na carta,

e o rei elaborou-lhe uma armadilha:

"A um duelo de espadas o convida,

que num só golpe em dois seu peito parta."

De espera minha fúria estava farta,

finalmente usaria toda a ira,

e no meu elemento, ainda por cima,

a esgrima! Que florete meu o reparta!

Falhando eu, meu rei Cláudio fez promessa,

na taça de veneno morreria

aquela — nem digo homem — brutal fera!

Então, risco de falha não havia;

vingaria meu pai, cheio de pressa,

nem que viesse a ser último o meu dia!

*SONETO VIII: REI CLÁUDIO*

Uma comédia! Tudo a meu favor

conspirava; ser rei era o destino!

Ó irmão, matarei também teu filho,

mas tudo bem! É um ato de temor!

Autodefesa! Sorte! Que rigor!

Agora era aguardar que meu sobrinho

traçasse por si só o mortal caminho

e o resto era Laertes, por amor.

Gentil Polônio, viva a morte tua!

Teu fiel filho a mim salvará a vida

trazendo ao fim o drama desta luta!

...no entanto, se eu morri nessa partida,

é claro, a segurança era nenhuma.

Sempre maldita esta alma corrompida.

*SONETO IX: OFÉLIA*

Uma jovem sandia, podeis vê-la?

Uma jovem sandia sem família,

uma jovem sandia, pobrezinha

dessa jovem de gélida centelha.

A flor do alto era bela a mim, abelha,

mas o galho, tão baixo, a não queria.

Quebrou-se para mim, flutuei sozinha,

no grande rio abaixo fui sereia.

Fui sereia! Sereia mergulhei,

no fundo d'água achei-a, a minha flor...

Adeus a todo o mundo! Ao mundo o rei!

Ao céu sereias! Ávido terror

que queimava, afogava, não boiei.

Fui Ofélia! a garota deste horror.

*ATO V*

*SONETO I: HAMLET*

Ofélia! Quando eu soube da tragédia

que a levou para o fundo do mistério

misturando-se graça com minério

e gritei "ai meu Deus, ai minha Ofélia!"

Ofélia, foste o sonho de comédia,

hoje te vejo a flor de um cemitério,

Deus não deve, não pode estar a sério,

tamanha a dor que sinto, minha Ofélia!

Ofélia! Ofélia! O luto é mais que aguento!

Das pedras feias, logo a linda joia!

Eu morro, pois perdi meu casamento!

Ofélia, Ofélia! Fada que no ar boia!

Deixei minha vingança um só momento;

mas que momento! límpido, de glória!

*SONETO II: HAMLET*

O duelo de esgrima foi real.

E a espada do oponente envenenada!

Então acatei, dura e inesperada,

a noção do momento ser fatal.

Nós ambos fomos pegos, o mortal

veneno não poupou o dono da espada,

notei Laertes alma injustiçada.

Matei-o e a sua figura paternal.

Já a rainha tomou daquela taça,

inocente, que o rei a mim queria.

Morreu toda a família. Que desgraça.

Olhei para meu tio, meu parricida

e senti no momento tanta graça

que esquecia a minha alma fenecia.

*SONETO III: HAMLET*

Peguei-o no pescoço e aquela taça

mesma que deveria me findar

mas findou minha mãe, seu falso par,

e cuspi: "Beba tudo, minha caça!"

Com um prazer tão grande Deus rachaça

assisti revirar-se o seu olhar

e sua boca déspota babar.

Rei Cláudio, é o fim de nossa raça!

Caí junto, pensando na vingança

e na honra do fantasma defendida.

Eis a história da qual ninguém se cansa.

Adeus! Por hoje baste a ladainha!

Há séculos que guardo essa esperança

de deixar para trás a minha vida.

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Poema apresentado em um seminário sobre Hamlet que fiz em meu penúltimo semestre do curso de Letras. Deve ter sido na primeira metade de maio. Foi o primeiro escrito que apresentei para alguma "plateia", que, no caso, não foi mais do que a minha sala de aula. O objetivo era apresentar a peça, de forma bela o bastante, em menos de quinze minutos. A Abelha, como sempre, foi meu maior estímulo.

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 16/06/2019
Reeditado em 03/03/2020
Código do texto: T6674501
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