MEU RECENTE AMIGO

CAPÍTULO I – O SACI-PERERÉ

Era uma vez um forte redemoinho

que apareceu sem nenhum porquê,

dentro dele havia um infante negrinho

de gorro vermelho, cachimbo e fuzuê.

O moleque tem apenas uma perna só.

É muito inquieto, quer tudo pra ontem

de nós meros mortais. Ele não tem dó.

Adora brincadeiras que nos amedrontem.

Sinhozinho está perdido? Pra onde quer ir?

Dando fumo pro meu pito deixo suncê sair

e voltar para sua vida sem graça da cidade.

Se não tiver mesmo fumo ou algo que presta

eu deixo suncê de vez perdido nessa floresta.

Só vai sair daqui se a sorte lhe tiver amizade.

CAPÍTULO II - O PRISIONEIRO

Pestinha, fumo eu não tenho, mas tenho rapé.

É um pozinho cheiroso que faz a gente espirrar.

Você conhece esse pozinho? Sabe de fato que é?

Serve para limpar as narinas para melhor respirar.

O saci Pererê resolve experimentar por curiosidade.

Ao invés de pegar uma pitadinha e jogar no seu nariz

pega um monte de rapé e joga nas narinas com vontade.

A sucessão de espirro é tanta que parece rajadas de fuzis.

A sequência de espirros faz o gorro do saci cair no chão.

O homem não titubeia e da carapuça rubra lança a mão.

Dispondo-se do momento, o sinhozinho pega a garrafa

que trazia com água para beber e verte o líquido na terra.

Agora com a garrafa vazia, o saci o homem nela encerra.

Parece que a minha amiga sorte chegou! O cara desabafa.

CAPÍTULO III - PRISÃO DE SEGURANÇA MÁXIMA

Para tornar mais difícil a sua fuga, vou colocar este terço

de Nossa Senhora envolto na garrafa. Pronto. Fuga zero.

Me tire daqui sinhozinho, a prisão nunca foi o meu berço,

se fizer isso, te tiro da floresta que é agora o seu desespero.

Não me faça rir, seu arteiro, o dono da situação sou eu.

Enquanto tiver com seu gorro, você não manda em nada.

Quer que eu desenhe, saci, ou será que me entendeu?

Logo, recolhe à sua insignificância, fique de boca fechada.

A primeira ordem é estar não aqui e sim na minha casa.

Rápido o homem estava no seu lar. É melhor do que asa!

Disse o sinhozinho encantado com a bela magia do saci.

Se tivesse muitos poderes, estaria de bem com a vida!

Eu vou ficar tranquilo para ver qual será a ideal saída

para que o pretinho da perna possa melhor me servir.

CAPÍTULO IV – DRAMA NA MADRUGADA

Eh! Melhor tomar um banho e preparar algo para comer.

Caçar o caminho da cama e quando acordar, adeus pobreza.

Não vou demorar na cozinha, quero coisa rápida de fazer.

Tenho carne moída...Farei macarrão ao molho à bolonhesa

e suco de caju. Para a fome que estou é um manjar divino.

Nem consigo imaginar que tenho saci Pererê aprisionado...

se vacilo, passar-me-á fácil a única perna que tem. Imagino

Que, caso a situação vire contra mim, estarei muito ferrado.

Mas é um assunto para amanhã. Jantei e agora é cama.

Quem falou que dormi? Com a madrugada veio o drama:

Corpo empelotado, manchas vermelhas, mais mal-estar.

O que está acontecendo? A morte está me rondando...

sinto corpo pesado, dores abdominais, os olhos fechando.

Agora que vou ter vida de gente, o Senhor quer me levar?!

CAPÍTULO V – FATÍDICA COINCIDÊNCIA

Nas suas últimas forças, o homem pega o gorro vermelho

libera o saci da garrafa e grita para quem quiser ouvir:

Não minta para mim! Está querendo me matar, pentelho!

Estou com o seu gorro, logo, por sua conta não pode agir!

Enquanto eu tiver com seu gorro, serei seu amo e senhor.

O que você fez que me sentenciou a morte? Quero saber!

Não mato ninguém! Não sou assassino! Me ouça, por favor!

Sou travesso, bem arteiro, faço pegadinha de enlouquecer;

Sou incapaz de matar qualquer um que seja, bem ou mal.

Está morrendo? Mera coincidência! Tem nada comigo afinal.

Se dependesse da minha vontade te matava por me prender,

Não sou assassino. Adoro sim brincadeira de mal gosto...

Vá procurar e encontrar o que te deixou bastante indisposto;

antes que seja tarde... Saci, toma o capuz, vou lhe devolver.

CAPÍTULO VI – O MORIBUNDO

Sinhozinho, volto para minha mata. Aguenta as pontas aí.

O negrinho da perna só deixa o homem lá solitariamente.

Perdi tudo. A vida, a dignidade e até a companhia do saci.

Que sofrimento, meu Deus! Leva-me agora, imediatamente!

O homem já cria que estava passando para outro mundo.

O saci volta com ervas nas mãos. Dispõe de suas mesinhas.

Lota a caneca com chá que fez, leva-o a boca do moribundo.

Vamos sinhozinho, beba tudo sem reclamar e sem gracinhas.

No último gole, São Pedro fecha de vez as portas do céu.

Ficando livre da morte, o homem vê que não ficou ao léu.

Saci, obrigado, salvou-me a vida. Como posso agradecê-lo?

Não precisa! A carne moída estragada foi o que te fez mal.

Te curei porque sei tudo sobre qualquer planta medicinal.

“Foi as ervas da mata que te curou”. Grato, Saci, pelo zelo.

CAPÍTULO VII – AMIZADE SINCERA

Como te disse, Sinhozinho, não sou assassino, sim travesso.

Obrigado por me deixar livre, fosse outro, estaria na garrafa.

Nós estamos quites. Sua amizade é a última coisa que peço.

Negar ser seu amigo, sinhozinho, é convite a comer alfafa.

Ambos se abraçam. A amizade que nasceu ali é sincera.

As portas da casa estarão abertas para você, neguinho,

Não deixe de me visitar. Estarei sempre aqui a sua espera.

Visitarei sim, só não será todo dia. Tá certo, sinhozinho?!

O saci retorna à mata com alegria. Lá é o seu verdadeiro lar.

A carne estragada que comi pus no lixo sem nenhum pesar.

Arrumo a cozinha. Guardo com carinho o chá que sobrou

na garrafa onde prendi o Saci. O chá que pra mim o saci fez.

Saúde joia, casa limpa. De descansar já chegou minha vez.

Lerei um bom livro até o sono chegar. Morfeu, aqui estou.

O FILHO DA POETISA

Filho da Poetisa
Enviado por Filho da Poetisa em 05/06/2019
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