URSO
E assim, não mais que de repente,
Abriu-se, bem na minha frente,
Um abismo que eu já vira parecido outrora...
Onde eu bem me lembro, já caíra...
E agora, eu não sei se era hora,
Para um novo abismo me aparecer...
Mas abismos não têm dia nem hora...
Basta um sismo moderado
Num ser fragilizado, carente e abandonado...
Uma cochilada, um escorregão...
Pisas em falso, perdes o chão
E, em total desmazelo,
Lá se vai teu coração incauto,
Caindo, lentamente,
Sem que ao menos possas detê-lo...
Sem que um arauto benevolente
Te avise ou te dê a mão...
E se cais, perdes todo o controle e a razão...
E o abismo danado te mastiga,
Te deglute, te engole... te devora
E por mais que tu lutes,
Não vai adiantar...
Melhor se abandonar
E deixar seguir o curso,
Nos braços deste urso
Feroz e insaciável que se chama amor...
Ouvindo Adriana Calcanhotto – Metade