O voo do urubu

Plainava, feito quem voa baixo, voando feito voava a menina:

- Na janela do ônibus, presa no trânsito, olhando o voo do bicho

astuto e descompensado se virando de lado a lado

nos recôncavos de sua solidão.

Vez ou outra um voo raso, perto dos olhos, próximo do chão

vai e volta em círculos concisos e cara de pouquíssimos amigos,

em breques imprecisos e buzina que toca de repente

assustando toda a gente, sem a menor precisão.

Voava imponente com todo aquele céu à sua frente

reinando absoluto no horizonte de cinzas nuvens carregadas,

com a mente cheia, nuveada, na imensa massa acinzentada

e aparentemente sem razão, plainava (in)quieto

naquela tarde de tamanha confusão.

O urubu voava além das vistas concentrada da menina

como quem espreita alguma visão,

voava a prestação na beira rio, espreitando o pouso dos aviões.

E era como se esperasse a carne putrefata

do corpo morto (do bicho) caído,

do corpo sem vida jogado ao chão.

Voa o urubu as espessas da vida

sem se preocupar com os olhos marejados da mãe,

sem se preocupar com a barriga roncando,

com o corpo morto caído à sua frente

atrapalhando o trânsito, causando indignação.

Voa o urubu, a espreita dos olhos da menina, feito o espelho.

Voa a menina, a espreita do bicho alado, sonhando possuir asas

e voar pra bem longe, pra bem longe do chão.

Não por medo da vida ou da morte ou do homem...

E sim por vontade de ser pássaro, ser anjo, ser avião!

Voa a menina sozinha nas asas do pássaro, no banco do ônibus,

com os fones nos ouvidos, na janela de sua própria (ilusão) visão.

E desde os quatorze anos segue a vida sem conseguir entender

o porque de tanta tristeza no céu, o porque de tanto vazio no peito,

de tantas lágrimas nos olhos, de tantos corpos no chão.